terça-feira, 13 de abril de 2010

Poema de Fernando Pessoa.



QUATRO POEMAS EM TORNO DA MORTE

"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
não há nada mais simples. Tem duas datas - a da minha nascença e a da minhamorte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus. Sou fácil de definir. Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes uma das outras; nunca com pensamento. Compreender isso com o pensamento seria achá-las todas iguais. Um dia deu-me um sono como qualquer criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso, fui o único poeta da Natureza.
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Quando vier a Primavera, se eu já estiver morto, as flores florirão da mesma maneira, e as árvores não serão menos verdes que na primavera passada. A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma. Se soubesse que amanhã morreria e a primavera era depois de amanhã morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo seja certo; e gosto porque assim seria, mesmo
que eu não gostasse. Por isso se morrer agora, morro contente.
Porque tudo é real e tudo está certo. E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostassePor isso, se morrer agora, morro contente. Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão se quizerem. Se não quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. Não tenho preferência para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
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Quando tornar a vir a Primavera talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente para poder supor que ela choraria. Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa: é uma maneira de dizer. Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novs folhas verdes.
Há outros dias suaves. Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.
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Se eu morrer novo, sem puder pubkicar livro nenhum, sem ver a cara que têm os meus
versos em letra impressa, peço que, se quiserem ralar por minha causa. Que não ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos, eles terão a sua beleza, se forem belos.
mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir, porque as raízes podem estar debaixo da terra,
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. nada o pode impedir.
Se eu morrer muito moço, ouçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentil como o sol e a água. De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma, nem procurei achar nada.
Nem achei que ouvesse mais explicação que a palavra explicação não tem sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou a chuva. Ao sol quando havia sol e à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),sentir o calor e o frio do vento, e não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam. Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão, porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e a chuva
E sentando-me outra vez à porta de casa.
os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados, como para os que não são.
Sentir é estar distraído."