quarta-feira, 5 de abril de 2017

Para Maria da Graça



PARA MARIA DA GRAÇA





(Paulo Mendes Campos)



    Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.

     Este livro é doido, Maria, isto é: o sentido dele está em ti.

     Escuta: se descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da liberdade.

     A realidade, Maria, é louca.

     Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?”

     Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou para pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como em teus ossos, mas forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.

      A sozinhez (esquece esta palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de está sozinha aqui”. O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, fechar uma porta bem aberta.

       Somos tão bobos, Maria. Praticamente uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, as pessoas comem bolo.

       Maria há uma sabedoria social ou de bolso, nem toda sabedoria tem de ser grave.

       A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir perdão 7 vezes ao dia: “I beg yuor pardon!” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto-de-vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice:: “gostarias de gato se fosse eu?”

       Os homens vivem apostando corridas, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas que, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo o que não é tão ridícula muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “a corrida se a gente não vai saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupes a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se  chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.

       Disse o ratinho: “Minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”.      

       Ora como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida. Foge polida, mas energicamente, dos homens e mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens, uns chatos irremediáveis, Maria.

        Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Ao contrário do que se pensam os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra  depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepare-te para a visita do monstro e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo”. Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.

         Escuta esta parábola perfeita: Alice tinha encolhido tanto de tamanho que tomou um camundongo como hipopótamo. Isso acontece muito, mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada, que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçados de camundongos. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre cômico, nunca devemos perder o bom humor.

         Toda pessoa deve Ter três caixas para guardar humor, uma caixa média que a gente precisa Ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos, em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos uma droga ou muito bacanas. Cuidado com as grandes ocasiões!

          Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por “isso, Alice depois de ter chorado uma lagoa, pensava: agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”.

         Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida. É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor.