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sábado, 5 de novembro de 2011
9º ERONG - ARACAJU - 2011
“CARTA DOS 9/2011”
O IX ENCONTRO REGIONAL DE ONG e Movimentos Sociais de Luta Contra AIDS do Nordeste (ERONG) realizado na cidade de Aracaju – Sergipe, entre os dias 12 a 15 de julho de 2011, com a presença de delegados e / delegadas; observadores e observadoras elaborou e aprovou na sua plenária final a “Carta dos 9/2011”, documento político e deliberativo com encaminhamentos, diretrizes e desafios que nortearão as ações políticas do Movimento de Luta contra a AIDS do Nordeste, nas áreas de Ativismo e Sustentabilidade, Controle Social no SUS e Intersetorialidade, Direitos Humanos e Vulnerabilidade no contexto da AIDS e Saúde Integral das pessoas vivendo com HIV e AIDS.
A partir dos debates acerca da conjuntura atual do Nordeste, avaliou-se que os desafios identificados no IX ERONG/NE, retratam realidades encontradas no ERONG/NE de 2009, onde programas e ações de prevenção, assistência e tratamento encontrados hoje no Brasil, na maioria das vezes não se adéquam as diversas realidades tornando-se sem efetividade e com falhas, contribuindo insatisfatoriamente para a resposta que queremos diante da epidemia de AIDS – enfrentamento real e global e avanços em direção à cura.
Diante deste cenário o movimento de luta contra a AIDS avançou na reflexão sobre questões que envolvem a sustentabilidade do movimento e que passa desde a questão da criminalização dos movimentos sociais, a falta e diminuição de recursos para a saúde (principalmente a AIDS), incluindo a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS) e a criminalização dos diversos seguimentos dos movimentos sociais (AIDS, mulheres, LGBT, negros/as, lésbicas, indígenas, sem terra, sem teto, quilombolas, travestis, transexuais pessoas com deficiências, jovens entre outros), isso aliados a execução das políticas públicas a partir do modelo neoliberal que prioriza o investimento econômico em detrimento a qualidade de vida dos/as cidadãos/cidadãs.
Para que ocorra uma efetivação das políticas públicas é necessário promover maior participação da sociedade civil organizada nos espaços formais e não-formais de controle social, além de formação política continuada dos ativistas de acordo com os eixos abaixo abordados.
ATIVISMO E SUSTENTABILIDADE
Foi debatido no evento questões importante para a reflexão de como os diversos segmentos, dentro do movimento AIDS, não estão conseguindo realizar de forma eficaz monitoramento e avaliação das políticas pública referentes ao seu campo de atuação. Isso se dá como resultado da atual conjuntura dos espaços de controle social que refletem o modelo das conferências de políticas públicas que nos últimos anos se mostram ineficazes e, cada vez mais, não estão alocadas no Plano Plurianual/PPA, colocando como indicativo a necessidade de repensar estes modelos, porém só será possível se estivermos presentes nesses espaços. Sendo assim não basta apenas lutar pela efetivação de políticas públicas, é necessário estarmos presentes e pressionar a elaboração, dotação orçamentária e monitorarmos a execução promovendo um movimento constante de Advocacy.
Ampliar a noção de sustentabilidade das ONGs e dos movimentos sociais, para além da elaboração de projetos, entendendo a importância da capacidade de articulação de parcerias locais, nacionais e internacionais que hoje se refletem na dificuldade de acesso, repasse dos recursos, na própria execução da proposta aprovada e da prestação de contas. Isso reforça que precisamos fortalecer a luta de acesso a fundos públicos, como reconhecimento por parte do governo da atuação qualificada dos sujeitos políticos organizados no Brasil e em especial na região nordeste, devido às históricas desigualdades estruturais que se refletem na população desta região.
Neste eixo, a partir das discussões de grupo, foram sugeridas algumas recomendações para ser inserido nas ações do movimento de luta contra AIDS da região Nordeste:
- Mudança da metodologia e do formato do ERONG/NE, entre eles o mapeamento dos movimentos sociais organizados que estão na luta contra AIDS, garantindo a participação dos mesmos, fazendo cumprir o que foi acordado no 8º ERONG/NE;
- Criar grupos de estudos nas bases para fortalecer novos ativistas;
- Realizar monitoramento e avaliação dos PAM;
CONTROLE SOCIAL NO SUS E INTERSETORIALIDADE
A quase 23 anos da criação do SUS, observa-se que seus princípios: universalidade, intersetorialidade, equidade, integralidade e participação social, ainda se apresentam como um grande desafio. É necessário pensar as políticas sociais para além da saúde – enquanto qualidade de vida e promoção, tendo em vista que o modelo econômico contribui para o sucateamento e a privatização das diversas políticas sociais (saúde, previdência, assistência, educação, habitação, cultura, segurança, etc.). Nossa luta não é apenas para garantir a qualidade dos serviços, mas também para a vida das pessoas. Para isso destacamos alguns pontos importantes que devem ser considerados para fortalecer o movimento social na luta contra AIDS:
• Geração de emprego e renda, com garantia dos direitos trabalhistas para as pessoas vivendo com HIV e AIDS;
• Contemplar nas políticas públicas ações voltadas para população que estar envelhecendo, levando em conta a dificuldade na acessibilidade e na assistência adequada a essa população;
• Perceber que o modelo do sistema neoliberal, que matem a lógica da valorização do capital em detrimento a garantia de direitos dos/das cidadãos/cidadãs, ampliam e sustentam as desigualdades sociais, que para o enfrentamento da AIDS, se destacam:
o abuso sobre o uso de álcool, tabaco e outras drogas (inclusive o Crack);
a falta de investimento na política habitacional;
a negligência com a população de crianças, adolescentes e jovens;
a feminização da epidemia;
o fundamentalismo religioso;
a interiorização e pauperização da epidemia;
a importância de reconhecer as lésbicas, as travestis e os/as transexuais, como pessoas de direito;
o preconceito racial;
a violência institucional, sexual, física e psicológica;
a falta de atenção aos direitos da população com deficiência física e mental;
a não garantia da segurança alimentar para as pessoas vivendo com HIV (garantida em lei);
as dificuldades de garantir as cirurgias reparadoras (Lipodistrofia);
a falta de pesquisas sobre os efeitos colaterais do uso dos medicamentos Anti-Retrovirais;
as negligências referentes à saúde mental;
a negação do direito de ir e vir (acesso ao passe livre);
a redução de danos, entre outros;
• Atenção a saúde das populações em situações de vulnerabilidade social, considerando as relações de gênero, raça/etnia, classe social, religião, orientação sexual e geração. É importante ressaltar que as políticas públicas não refletem que grande parte da população afetada pela epidemia da AIDS é negra e afrodescendente;
• Construir e fortalecer a luta contra o modelo patriarcal e o coronelismo em prol da eliminação do machismo presente nas instituições pelo fim da homofobia, lesbofobia e transfobia;
Esses pontos devem servi como eixos norteadores para o próprio movimento de luta contra AIDS no nordeste, para que esse se apodere dessas questões, utilizando-os para pressionar as diversas estâncias governamentais (executivo, legislativo e judiciário), no intuito de garantir o diálogo e os avanços da integralidade das políticas públicas.
Neste eixo, a partir das discussões de grupo, foram feitas algumas recomendações para ser inserido nas ações do movimento de luta contra AIDS da região Nordeste:
- Lutar pela interiorização dos centros de referências;
- Monitorar os sítios de vacinas;
- Monitorar a implementação dos planos de enfrentamento da epidemia da AIDS: Plano de Feminização, Plano de enfrentamento da AIDS entre Gays, HSH, Travestis e Trassexuais, Saúde e Prevenção nas escolas e Prevenção e Saúde na Escola;
- Aproximar e fortalecer o diálogo entre os estados da região nordeste;
- Fortalecer a realização de atos públicos nos ERONGS, assim como em espaços que venham a violar os direitos das pessoas vivendo com HIV/AIDS.
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADE NO CONTEXTO DA AIDS
O Brasil é o único país da America Latina a garantir em lei a saúde como um direito universal em sua constituição. Contudo são vários os problemas encontrados na execução dessa política, entre os quais destacamos: o maior gasto dos recursos do SUS em entidades privadas, causando inclusive o sucateamento dos serviços públicos; A privatização da saúde pública, onde os hospitais passam a ser gerenciados por fundações e/ou organizações sociais, sem a intervenção do controle social.
A quantidade dos diversos planos elaborados pelo governo: Plano integrado de Enfrentamento a Feminização da AIDS; Plano de enfrentamento da epidemia das DST e AIDS entre Gays, HSH e Travestis; Saúde e Prevenção nas Escolas e; Prevenção e Saúde na Escola, não dão respostas efetivas as vulnerabilidades, ao contrário acabam por reafirmar as contradições (inclusive a contradição da garantia dos princípios do SUS, haja vista a fragmentação e os recortes) e não efetivam a garantia dos direitos humanos em sua universalidade, equidade, integralidade e regionalização.
Os planos elaborados, muitas vezes não levam em conta particularidades dos sujeitos, suas diversas realidades, sua organização social e política, pois não estão dentro de outras políticas ao qual deveriam estar articuladas (Exemplo: Os planos mal se articulam com as políticas de habitação, entre outras). Além da maioria não conseguirem dotação orçamentária para sua execução.
O processo de vulnerabilidade aliados as questões como discriminação, estigmas e preconceitos, afastam ou invisibilizam determinadas populações em seus direitos, como é o caso das populações indígenas, as populações em situação de rua, as populações negras, as populações ciganas, entre outras. A atuação governamental voltada para essas populações vulneráveis acabam, por muitas vezes, sendo ações paliativas e sem garantia de continuidade. Esse processo é resultante das raízes históricas e da opressão presente nesse contexto, que fortalece as desigualdades e não promove mudanças concretas. Um exemplo do reflexo dessa desigualdade é a condição em que se encontram as travestis e transexuais negras, pobres e nordestinas, que sofrem uma tripla discriminação e não conseguem se inserir no mercado de trabalho, nem conseguem se manter em espaços de educação e/ou formação profissional.
Para avançar na garantia dos direitos humanos, é necessário criar estratégias e unir forças, realizando alianças com os diversos movimentos sociais, além de fortalecer o movimento AIDS. Outra estratégia importante é o fortalecimento de novos ativistas, além de repensar o modelo social de participação, valorizando a inclusão dos/as ativistas que não estão em ONGs, mas que politicamente contribuem para a luta contra a AIDS. Temos que unir forças, pois as transformações sociais só ocorrem, quando realizamos a transformação pessoal.
Pensando na região nordeste, temos o desafio de atuar de forma mais contundente para enfrentar essas desigualdades, uma vez que, como mostram diversos estudos (inclusive estudos governamentais) é nessa região onde as desigualdades são mais gritantes. Para reafirmar essa constatação basta fazer uma leitura dos boletins epidemiológicos dos estados do nordeste e compará-los com os boletins dos estados de outras regiões.
É necessário intensificar a formação política das pessoas que fazem o movimento AIDS, para haja uma intervenção eficaz, pois se não fizermos isso, como mudar a realidade social em que vivemos atualmente? Olhemos para as diferenças, não no sentido de fragmentar o movimento, mas para reconhecer sua diversidade, incentivando inclusive a intersetorialidade entre os movimentos, fazendo isso no sentido de promover a integralidade de nossa luta, numa perspectiva de garantia de direitos das diversas vozes que o movimento AIDS congrega em sua identidade.
O grupo que aprofundou a discussão sobre Direitos Humanos e Vulnerabilidade no Contexto de AIDS no Nordeste levantou seguintes reflexões:
- importância de fortalecer a discussão sobre a epidemia da AIDS na região nordeste ressaltando o debate dos direitos humanos, vulnerabilidade, índice de analfabetismo, pauperização;
- a reforma política como importante debate a ser construído pelo movimento de luta contra AIDS;
- a importância da garantia de recursos no PAM e outros planos para garantia da execução dos Planos de enfrentamento a feminização da AIDS, Gays, HSH e travestis, saúde e prevenção nas escolas;
- construir estratégia para influenciar políticas públicas para garantia de acesso a educação básica e continuada a jovens vivendo com HIV/AIDS;
- fortalecer a luta a favor laicidade do Estado;
- lutar contra projetos que criminalizam as pessoas vivendo com HIV/AIDS
SAÚDE INTEGRAL DAS PESSOAS VIVENDO COM HIV E AIDS
Diante do sucateamento da política de saúde, principalmente a diminuição dos recursos para AIDS, muitas questões ainda afetam de forma direta as pessoas que vivem ou convivem com o HIV/AIDS. Algumas dessas questões e dificuldades são antigas, mas ainda são fundamentais para o movimento AIDS atuar e pressionar os governos, em busca de soluções para esses problemas. Entre os quais destacamos:
• a Lipodistrofia, com a falta de hospitais de referências e equipes multidisciplinar;
• a falta de leitos nos hospitais públicos e na rede complementar conveniada ao SUS;
• a falta de medicamentos (incluindo os voltados para as doenças oportunistas) que são provenientes dos problemas de licitação e mal planejamento;
• a oferta do teste rápido, sem uma estrutura adequada de acolhimento, aconselhamento, assistência e encaminhamento para o serviço;
• a demora na realização de exames e consultas, assim como de serviços para os mesmos;
• a falta de uma política de habitação adequada, que contribui para que as pessoas que vivem com HIV permaneça e estejam mais vulneráveis a co-infecções (entre elas tuberculose e hepatites);
• a carência de recursos dos municípios, principalmente os localizados no interior;
• a ausência de políticas sociais que amplie e fortaleça as casas de apoio, para população vivendo com HIV e AIDS em situação de rua;
Refletimos também que os PAM (Plano de Ações e Metas), ainda não garantem a real necessidade de ações eficientes que atendam essas demandas acima relacionadas. Nas discussões e debates sobre o PAM, mesmo com a presença das Organizações Não Governamentais, o debate ainda é voltado para uma analise sobre os casos notificados e as ações incluídas no plano não respondem efetivamente, nem refletem a política que afirme a importância de ver as pessoas vivendo com HIV e AIDS em sua integralidade.
É necessário fazer a articulação entre a política de redução de danos e a rede de atendimento as pessoas que vivem com HIV e AIDS, que são dependentes do álcool e outras drogas (principalmente o Crack). Também ressaltamos que o baixo investimento em pesquisas sobre os efeitos colaterais da medicação/drogas no tratamento das pessoas que vivem com HIV e AIDS (como já mencionado), tem haver com esse debate e por isso precisamos nos fortalecer nesse campo, pois redução de danos precisa ser aprofundada no interior do movimento AIDS.
Devemos fazer uma atuação de forma eficaz e com metas definidas, metas que considerem o fenômeno da pauperização da epidemia e as vulnerabilidades sociais constantes; que sejam amplamente garantidas as contrapartidas dos governos locais; que se garantam nos PAM estaduais os 10% dos recursos que devem ser destinados para as ações da sociedade civil; que as políticas sejam construídas coletivamente com a Sociedade Civil; que estejam previstas nos orçamentos nacionais e locais recursos orçamentários adequados e que sejam devidamente acompanhadas e monitoradas para evitar a má aplicação de recursos destinados às ações para enfrentamento a AIDS.
O grupo responsável pelo aprofundamento dessas discussões acrescentou algumas reflexões orientadoras para atuação do movimento de luta contra AIDS na região nordeste, no que se refere:
- ações de Direitos Humanos a fim de reduzir o estigma, exclusão e isolamento das PVHA na sociedade;
- fortalecimento das PVHA para que as mesmas se sintam acolhidas a ponto de assumir sua sorologia;
- advocacy com o legislativo, no intuito de criar uma lei federal para garantir os direitos relacionados com o transporte (passe-livre) para PVHA, em áreas interurbano-metropolitanas e na área intermunicipal/interestadual;
- a inserção e priorização das PVHA em situação de vulnerabilidade e risco social nos “Programas de Moradia Popular” e “Bolsa Família” do Governo Federal, com ênfase na inclusão social;
- políticas públicas de inclusão social para pessoas vivendo com HIV e AIDS em situação de rua, travestis e transexuais;
- a necessidade de garantir espaços de acolhimento para PVHA em situação de rua e contribuir na divulgação destes serviços;
- acessibilidade para PVHA com deficiências portadoras, seja na área de saúde, educação, transporte, apoio social;
- promoção de uma maior integração entre os programas de HIV e AIDS, Tuberculose e Hepatites Virais, pela relevância da incidência de casos de co-infecção entre estas patologias nas PVHA;
- a política de atenção integral a saúde do homem contemple ações que abranjam PVHA;
- ações articuladas entre a política da Saúde e Direitos Humanos/Justiça voltadas para população prisional vivendo com HIV/AIDS e TB, com ações de saúde integral (Tratamento e Assistência), sem segregação e isolamento;
- garantia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das PVHA, efetivando assim o direito à maternidade e paternidade através do cumprimento da Portaria sobre “Reprodução Assistida” do Ministério da Saúde;
- disponibilização de leitos de internamento e UTI com referência para PVHA;
- sensibilização de Fisioterapeutas, Terapeutas Ocupacionais e outros profissionais na temática sobre “Vivência Soropositiva para o HIV/AIDS”.
- a efetivação da Saúde Integral para PVHA, para além da medicalização do corpo, com acesso à educação, moradia, transporte, apoio social, lazer (dentro das suas especificidades);
- implantação e reativação dos Grupos de Apoio (Ajuda - Mútua) para PVHA, em serviços de referência e ONG: promoção de acolhimento, socialização e apoio psicológico;
- Meios de Prevenção nos serviços para Lipodistrofia, através de atividades físicas específicas, fisioterapia, terapia ocupacional, arte-terapia, entre outros;
Ressaltamos que a Carta dos 9/2011 produzida no IX ENCONTRO REGIONAL DE ONG e Movimentos Sociais de Luta Contra AIDS do Nordeste (ERONG/NE) é um documento orientador, onde procuramos sistematizar as diversas vozes presentes no movimento AIDS e acreditamos que essa carta pode ser um importante norteador para fortalecer nossa luta.
Aracaju, 15 de Julho de 2011.
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