quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Dissertação...

Este é o Resumo da nossa Dissertação do Mestrado:

QUANDO NEGATIVO É MELHOR QUE POSITHIVO - um estudo sociológico das experiências identitárias de pessoas vivendo com HIV/AIDS em Recife


Miriam Fialho da Silva.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
como requisito para obtenção do grau de Mestre,
sob a orientação do professor Dr. Paulo Henrique Martins.


Este trabalho tem como objetivo investigar a redefinição da identidade de um grupo de portadores do HIV/AIDS. A pergunta que o originou foi: qual o sentido da vida para alguém que se decobre infectado pelo vírus da Aids? As hipóteses que orientaram a pesquisa foram as seguintes: a condição de portador do HIV/Aids desencadeia um processo de redefinição da identidade; a condição de gênero influi na redefinição da identidade; o portador sofre estigma e exclusão na relação médico/paciente.

O recurso metodológico da pesquisa foi o método qualitativo. A coleta de dados constou de dois momentos. No primeiro fizemos consultas em fontes documentais do Ministério da Saúde; publicações periódicas; e bibliografias especializadas sobre o assunto. No segundo momento, utilizamos a técnica de entrevistas gravadas com o recurso técnico de um Questionário de perguntas abertas. A pesquisa foi feita com doze portadores em duas ONG's/Aids na cidade do Recife.

As conclusões do estudo demonstram que as identidades dos portadores do HIV/Aids são redefinidas numa dimensão simbólica e imaginária em funçao de um ideal do eu, através de negociações ou barganhas, entre os portadores e o HIV. E que o uso do coquetel (medicamentos combinados), o tratamento psicológico, a esperança de uma vacina que traga a cura, simbolizam estratégias de sobrevivência para um tempo maior de vida e distanciamento da morte iminente.



terça-feira, 24 de novembro de 2009

Das Formas de Amar...




DAS FORMAS DE AMAR (e de expressar esse sentimento)






(Olegário Schimitt)

“Meu amor, amar é mais simples do que poderia supor, sabias? Amar é mais fácil do que a gente imagina, e há muitas maneiras, muitas intensidades de se sentir essa coisa.


Eu, por exemplo, quando digo “eu te amo” não quero com isso dizer que tu és o grande amor da minha vida, tampouco é uma promessa de que o que sinto será eterno.


Por isso quando digo “eu te amo” não sintas medo e não entres em pânico de forma alguma, pois não imponho a esse sentimento qualquer tipo de responsabilidade recíproca. Não espero por esse sentimento qualquer tipo de resposta ou atitude, pois amar é sentir sem cobrar, sem querer nada em troca. Amar é simplesmente sentir.

E gostar também é amar, gostar muito é amar, sentir carinho é amar. É sentir vontade de abraço e de colo, mas não qualquer abraço, não qualquer colo. Amar é sentir certo tipo de carência específica. Amar é vontade de emprestar o peito para deitares a tua cabeça. Amar é abrir a porta do carro pra ti sem demagogia. Amar é roubar uma flor e te dar, na impulsão do momento, sem me importar muito se gostas de flores ou não, e sem ligar à mínima se o gesto parecer ridículo.


Amar é instável, pois amar é constante transformação. Amar é diferente hoje de manhã. Por isso te amo a cada dia de uma forma, te amo até mesmo quando não amo, pois penso que essa seria apenas mais uma das inúmeras formas desse sentimento se manifestar. Não te amo hoje menos do que amanhã, tampouco amo mais, apenas amo diferente. Amo-te quando sinto tua falta e te amo até mesmo quando, por enquanto, não quero mais estar contigo. Amo-te quando quero ficar em silêncio comigo mesmo e a tua presença não atrapalha o meu desatino.


Amo-te quando estas longe e me sinto sozinho mesmo estando junto dos meus melhores amigos. Amo-te quando, em meio à conversa mais interessante, me desligo e me ponho a pensar no que tu estarias fazendo agora e como seria melhor se estivesses aqui participando disso que sequer consigo fazer parte direito. E não faço parte porque não estou aqui, e não estou aqui porque tu não estás aqui.


Também sei que te amo quando estás comigo e sinto vontade de te abraçar além do teu corpo, de te abraçar além do que meus braços poderiam e de e beijar mais do que o tamanho da minha boca.
E sei, finalmente, que te amo, quando me ponho a escrever essas coisas, nessa forma silenciosa de gritar tudo o que sinto.”

Oficinas em Fortaleza



Estas fotos foram feitas em Fortaleza/CE, por ocasião da Oficina de TB realizada pelo ponto 4. Nessa ocasião discutiu-se, dentre outros temas, a execussão dos projetos de combate a tuberculose, pelos municípios das capitais dos estados de Penambuco/Recife; Ceará/Fortaleza e Bahia/Salvador, que são abrangidos pelo ponto 4.  
(aguardem informações acerca da evolução da tuberculose e dos programas de combate a mesma no Brasil).














domingo, 15 de novembro de 2009

Dissertação de mestrado - cap. 02


QUANDO NEGATIVO É MELHOR QUE POSITHIVO - um estudo sociológico das experiências identitárias de pessoas vivendo com HIV/AIDS em Recife

REGISTROS CONTEMPORÂNEOS DA AIDS
Capítulo 2
Neste capítulo, enfocaremos três recortes que consideramos pertinentes discutir e que chamamos, aqui, de registros contemporâneos da Aids. Os aspectos enfocados são: a questão etiológica, a questão social e institucional, e a discussão comportamental da população alcançada pelo HIV/Aids. Observamos que existe uma correlação importante entre estes três recortes. Somente através de um conhecimento prévio desses fatores, o público leitor terá uma visão mais abrangente do que vem a ser a epidemia da Aids, dos modos como ela se estabeleceu no mundo, e de como as pessoas foram flagradas por um diagnóstico de soropositividade, em suas vivências cotidianas, atingindo hábitos, valores, crenças e práticas sociais.
O capítulo se divide em três seções: os registros etiológicos do HIV/Aids, os registros sociais e institucionais, e os registros simbólicos e identitários. Na primeira seção, definiremos sucintamente a etiologia da Aids, explicando os termos usados pela ciência da medicina para definir a síndrome, os modos como a mesma pode ser contraída e evitada, os recursos científicos para diagnosticar a patologia e os tratamentos para manter a doença sobre controle. Na segunda seção, faremos uma análise de alguns aspectos concernentes a instauração da Aids no mundo, visto que a consideramos como um desdobramento da sociedade moderna, tanto pelos modos como se instituiu, quanto pelas formas diversificadas de ser adquirida. Faremos ainda as analogias entre a Aids e outras epidemias que assolaram o mundo, como a tuberculose e a sífilis, mostrando em que são análogas e em que se diferenciam. Na terceira seção, faremos a abordagem teórica da questão da identidade, analisando os conceitos de autores que discutem o tema ao longo dos últimos anos, buscando fazer o aporte entre a questão teórica e o nosso objeto prático.
1.1- Registros Etiológicos do HIV/Aids
A Aids configura-se como um grande flagrante na sociedade moderna. Seu advento ressalta questões polêmicas de teores diversos, denunciadoras do modus vivendi das populações e de suas formas de organização social. Surgindo numa realidade histórica em que as grandes epidemias são dadas como erradicadas, pelo menos nos países desenvolvidos, a Aids pôs em estado de inteira perplexidade toda a sociedade global, atingindo as rotinas de instituições como o Estado, a Ciência, a Medicina, a Família, a Religião, e o Trabalho.
No trato desta temática, faz-se necessário apreender as particularidades inerentes a epidemia que a tornam diferente das outras que assolaram o mundo como: Peste Negra, Gripe Espanhola, Tuberculose, e Sífilis. Essas particularidades estão relacionadas àquelas práticas de vida dos indivíduos, identificadas como anormais por estarem dissociadas dos padrões da moral social convencional. Com a Aids, o estigma da “anormalidade” engendrou o surgimento de práticas “clandestinas”, de tentativas de se furtar à vigilância das normas sociais.
A Aids é formada por um conjunto complexo de fatores o que, até hoje, faz com que sua presença não seja compreendida por um grande contingente da população. As dificuldades das ciências médicas em diagnosticar corretamente a etiologia da virose – que se pressupunha, à época das primeiras investigações, ser a causadora de muitos óbitos – justifica a compreensão confusa que a população tem sobre o assunto. As primeiras notícias sobre a Aids chegam dos Estados Unidos, em 1981, através de um órgão governamental americano: Center for Disease Control. (CDC) . Cidades como a Califórnia e Nova Iorque atestavam mortes de homossexuais masculinos, jovens e adultos, que ocorriam de forma inusitada, combinando raros tipos de canceres com pneumonias comuns. Esses casos eram descritos como estados de imunodeficiência, ou seja, uma diminuição dos recursos orgânicos tradicionalmente requisitados para manter o corpo imune às infecções (Camargo JR., 1994). A Aids estabeleceu entre nós um ritmo de crescimento surpreendente, desafiando as ciências médicas, que até hoje ainda não conseguiram descobrir a sua causa, ou, pelo menos, o modo como a enfermidade surgiu. Existem porém muitas especulações a este respeito, como a de ser uma doença originada dos homossexuais masculinos nos EUA, cognominada de “peste gay”. Esta especulação espalhou-se à época da sua notificação para o mundo, mas não explica absolutamente a sua origem.
O percurso da epidemia fez-se com muita rapidez, de forma que num período de dez anos, de acordo com Luc Montagnier (1995) , ela já estava sendo identificada em todo o mundo. Sua diagnosticação se deu na seguinte cronologia: em 1981, a doença foi identificada; em 1983, o agente vetor foi isolado pela primeira vez; em 1984, a demonstração do papel causal desse agente na Aids foi aceita por toda a comunidade científica; em 1985, surgiram os primeiros anúncios de detecção confirmando-se as suspeitas de que a ciência não possuía nenhuma pista de como descobrir as origens e as causas de uma doença que se apresentava de modo tão grave. A rapidez desse avanço gerou a crença e a esperança de que a luta contra a Aids seria “uma guerra relâmpago” a ser rapidamente ganha (Montagnier, 1995, p 9).

A conclusão à qual a medicina chegou foi que a Aids é uma doença de origem viral. A sua gravidade está no fato do agente infeccioso ser um retrovírus que afeta sobretudo as células do sistema imunitário. Por ser uma doença crônica, sua evolução é sempre lenta, o que faz com que a mesma passe de um estágio a outro de contaminação, até o momento próprio em que o paciente desenvolve os sintomas clínicos, o que pode ocorrer num período de até dez anos. Nesse intervalo, a pessoa infectada fica apenas como um “soropositivo.” Isto vem se dando com mais freqüência nessa segunda década de Aids com o uso do coquetel.

Na busca de respostas para explicar o surgimento da epidemia de Aids, as especialidades médicas procuravam encontrar respostas para certos questionamentos: O que é a Aids? É uma doença? Que tipo de doença? É uma doença nova? Como se pega? As respostas foram dadas parcialmente.

Segundo Montagnier (op. cit. p. 91), a Aids é uma doença que se apresenta em duas dimensões: é uma ocorrência nova, mas que tem uma história antiga. Estudos realizados retrospectivamente com amostras de sangue colhidas a partir do anos 60, assim como certas descrições clínicas, indicam que o vírus da Aids já estava presente no homem muito antes de se falar da mesma. Em princípio, é uma doença sem sintomas clínicos próprios, visto que se manifesta através de outras patologias chamadas de oportunistas tais como: tuberculose, câncer de pele, hepatite, e a toxoplasmose. Essas doenças se definiam ou por sintomatologia ou por sua estrutura anatômica (Montagnier, op. cit.).

A epidemia da Aids é uma doença nova que foi diagnosticada no princípio dos anos 80 pelos franceses e norte-americanos. O termo "SIDA" ou “AIDS” é uma sigla originada do nome inglês: “Acquired Immune Deficiency Síndrome”, que se traduz por “Síndrome da Imunodeficiência Adquirida” . A sigla Aids se constitui num conjunto de termos, onde cada um deles possui o seu conceito próprio dentro da ciência médica. São eles: Síndrome, Imunodeficiência e Adquirida.

Logo, a Aids é uma doença imunológica resultante de uma infecção por um vírus que é transmissível em circunstâncias determinadas de troca íntima de fluidos dos corpos. Esta troca pode se dar através do ato sexual, da transfusão de sangue, da gestação, do nascimento, da amamentação ou acidentalmente.

A infecção é detectada através de testes laboratoriais feitos no sangue, a partir dos quais o vírus é isolado com o uso de várias técnicas . Após a infecção pelo HIV, decorrem várias etapas bem definidas que são: a primo-infecção, a fase silenciosa, e a doença clínica. (Montagnier, op. cit. p 80).

O HIV é um retrovírus, o que significa que a sua forma de vida é simples. Tem curta duração de vida, morrendo rapidamente se for mantido por quinze minutos, mais ou menos, numa temperatura de 50o graus centígrados. Morre também ao contato de alguns minutos com vapores de formol, hipocloreto de sódio ou outros equivalentes. (Lepargneur, 1987, Montagnier, op. cit.). As formas de contaminação se dão através da troca de líquidos do corpo, nas relações sexuais, no uso de seringas descartáveis (nos usuários de drogas intravenosas), no aleitamento materno, na transfusão de sangue e seus hemoderivados (no caso de sangue não tratado), e no uso de perfuro-cortante (forma acidental). A sigla HIV significa Human Imunedeficiency Vírus (Vírus da Imunodeficiência Humana). Trata-se de um vírus que possui características muito particulares e por isso pode passar, e passa, desapercebido por muito tempo no corpo das pessoas. Ou, então, o faz num período de nove meses até seis anos. Infecta de modo lento, não apresentando sintomas de contágio.

O sistema imunitário é o alvo do assalto do HIV. O vírus é um parasita que invade e se apropria, de preferência, da máquina genética de uma célula crítica do sistema de defesa humano: a chamada T auxiliadora, que tem como função incentivar as células que produzem os anticorpos e ajudam a controlar as infecções por fungos e bactérias. Para entrar na T auxiliar, o vírus HIV utiliza proteínas que ficam na superfície dessa célula, em particular a chamada CD4 (Lepargneur,1987, Montagnier, 1995). Esse vírus destrói o linfócito T-4, que é a chave do sistema imunológico, causando danos profundos à saúde dos atingidos .

As formas de tratamentos para a Aids constam de uma combinação de medicamentos, o chamado Coquetel, que passou a ser ministrado a partir da segunda metade da década de 90 . Atualmente, com o uso do coquetel que é feito da combinação de medicamentos (que é ordenada de acordo com a sintomatologia de cada paciente, tomando-se como referência principal a diminuição do CD4 e a elevação da carga viral), o quadro se reconfigurou: o número de internamentos hospitalar e de mortes vem diminuindo consideravelmente, e o tempo de vida das pessoas tem aumentado muito mais .

Na Aids se distinguem dois estágios diferenciados: um, de “soropositivo assintomático”, quando a pessoa é apenas um portador do vírus sem sintomas da infeção; outro estágio é o de “soropositivo sintomático”, quando a pessoa já está com manifestações das doenças oportunistas. Este é um momento delicado nas vidas das pessoas, visto que elas se confrontam com os limites de suas próprias existências, de mudanças de suas vidas íntimas e de seus referenciais sociais.

Enfim, a Aids é uma doença longa, contagiosa e complexa, que desafia as diversas realidades socioculturais, as condições de vidas das populações e a eficácia das ciências médicas no trato de certas epidemias. Esta flagrou as sociedades e os indivíduos nas suas crenças mais ocultas, revelando as fragilidades de suas subjetividades.

2- Registros Social e Institucional

Neste recorte abordamos alguns aspectos institucionais da epidemia de Aids, tentando explicá-la como um desdobramento da sociedade moderna e dos modos como esta se instituiu historicamente. Não abarcamos aqui toda a história social da Aids, visto que a mesma se instaura de formas diversas, em campos culturais diferentes, e em realidades sociais antagônicas. Apenas apontamos alguns aspectos da sua trajetória que consideramos relevantes para facilitar a compreensão dos modos como se inscreveu institucionalmente e foi revelada no mundo inteiro. Esses aspectos dizem respeito às configurações assumidas pela Aids tanto ao ser reconhecida como uma epidemia, depois uma pandemia, como pelo número de pessoas contaminadas nessas quase duas décadas de suas expansão. As políticas sociais dos governos para tratamento e prevenção oficializaram essas configurações.

A Aids é um fenômeno que se estabeleceu como uma instituição sociológica, revelando características ajustáveis às preocupações de autores com o funcionamento das instituições modernas (E. Durkheim, 1985, P. Berger e T. Luchman 1978, e C. Castoriadis 1995. Ela possui uma tipificação própria, quando se define segundo os conceitos etiológicos da ciência médica: envolve os outros segmentos da sociedade na sua trajetória, impõe normas de conduta para ser reconhecida socialmente e força a redefinição do campo simbólico e identitário dos indivíduos.

A Aids se instaurou no mundo sob mesmas circunstâncias históricas. Em todos os grupos afetados os efeitos culturais são similares independentemente de raça, cor, cultura e classe social. Apesar de vivermos dentro de uma realidade mundial de condição sociocultural, política e econômica expressivamente desiguais, submetidos a diferenciadas oportunidades de vida, no que se refere ao fenômeno da Aids esses condições mudam: todos se tornam iguais quando se trata de encarar a perspectiva da morte. Em qualquer recanto do globo onde a Aids tenha-se inserido, a experiência de vivenciá-la será sempre a mesma. Todavia, a Aids deverá ser tratada sob várias óticas, com os recortes ou as correlações que se façam necessárias para que a explicação da sua história social não seja reduzida a chavões equivocados (Camargo, 1994).

Ver a Aids numa visão globalizada é significativo para se pensar o futuro do vivente humano nos âmbitos local, regional, nacional e internacional. A Aids foi definida como o mal do século, uma doença que põe o homem num confronto imediato com sua finitude, com a idéia da morte iminente. Diante de tal realidade, o mundo imaginário funciona exacerbadamente, as instâncias identitárias são postas em xeque, elas são fragilizadas ou até mesmo fragmentadas, mesmo que seja num período de tempo provisório. Assim, a Aids suscita os medos, as incertezas, a dor, a fé, a culpa, a esperança, pelos efeitos causados no universo imaginário das pessoas. Montagnier ressalta o lado simbólico das epidemias para a representação da sociedade:

“As grandes epidemias não se caracterizam somente pelo número de doentes e de mortos. Uma doença se torna o mal do século porque cristaliza, porque simboliza mesmo, a maneira como uma sociedade vive coletivamente o medo e a morte. Nesse sentido, a doença importa tanto por seus efeitos imaginários quanto por seus efeitos reais” ( Montagnier. op. cit. p187). Essa dimensão simbólica, segundo ele, é particularmente presente no caso da Aids.
“A Aids não escapa a essa regra: muito depressa saiu do mundo médico para pôr em questão os próprios fundamentos da nossa sociedade. Presente em nossa vida cotidiana, ela nos obriga a refletir e, eventualmente, a modificar nossos comportamentos. Nenhuma doença na época contemporânea nos incitou tanto a pôr em questão nossa identidade, nossos valores, nosso senso de tolerância e de responsabilidade” (Montagnier, op. cit. p 187).

Vivemos, hoje, a segunda década da Aids, e o quadro que se nos mostra não é nada animador, apesar do coquetel e das vacinas em teste. De todo modo deve-se registrar que as estatísticas atuais são mais precisas, o que permite avaliações mais objetivas sobre o desenvolvimento da epidemia.

Os registros sócio-geográficos da Aids no mundo começaram a ser feitos pela OMS (Organização Mundial de Saúde), com base nas notificações feitas pelos países. De início, não funcionou a contento. Havia incertezas quanto aos dados produzidos nas pesquisas sobre o número de pessoas infectadas. Questionava-se qual seria a predominância populacional: se era de homens ou de mulheres, e se esta relação se diferençavam de país à país. Essa dificuldade se dava por conta da falta de recursos técnicos, financeiros e metodológicos para elaboração das pesquisas, bem como pelo fato de alguns países se manterem alheios ao fenômeno: não pesquisando, não comunicando os seus índices de contaminação à OMS, nem elaborando estratégias de atendimento à população contaminada (Mann, et al 1993) .

No começo da década de 90, houve um aperfeiçoamento dos dados já se podendo formar um panorama mais aproximado da doença no mundo. Para tanto, se contou com as notificações de quase todos os países alcançados pela infecção (Mann, et al, 1993). O primeiro panorama traçado de uma geografia da Aids, no mundo, constou de uma notificação de cento e sessenta e quatro países alcançados pela infecção. A África notificou 52 países, as Américas, 45, a Europa, 28, a Ásia 26, e a Oceania, 11. As notificações feitas à OMS nessa primeira década da Aids foram as seguintes, de acordo com Mann, et al (1993). A África Subsaariana notificou um total de 144.527 casos de Aids (fazendo um percentual de 30% do total mundial) ficando apenas um país africano, à época, sem comunicar a evolução do caso, o Seychelles. As Américas vieram em seguida com um total de 268.477 casos (representando uma porcentagem de 55% do total global). Todos os países das Américas relataram casos de Aids com os Estados Unidos liderando o grupo. Depois, temos o continente europeu que notificou 66.126 casos (representando uma porcentagem de 14% do total global). A Albânia, à época não notificou nenhum caso. Na Europa, o maior número de casos notificados vieram da Europa-Ocidental: França, Itália, Espanha, Alemanha, Reino-Unido e Suíça.

Com uma década de Aids no mundo, os registros socio-geográficos de notificações de ocorrências se apresentaram expressivos e preocupantes. A visão panorâmica da primeira década de Aids no mundo, a de oitenta, apontava para a gravidade do que poderia vir a ser a trajetória da epidemia. Naquele período, ela já foi notificada como uma pandemia, visto que se tornara global (Montagnier, 1995). Esse fato se comprovou no início da década de 90, visto que os resultados obtidos pela OMS demonstraram um aumento significativo no número de casos notificados.

No início da segunda década da pandemia, mais precisamente em 1992, o quadro de pessoas infectadas assumiu outras proporções, passando a 12,9 milhões, sendo 4,7 de milhões de mulheres, 7,1 milhões de homens e 1,1 milhão de crianças. Cerca de um quinto (2,7 milhões ou 21%) desenvolveu o sintoma da Aids; e destas, mais de 90% (aproximadamente 2,5 milhões) morreram.

Nessa segunda década, a elevação do nível de pessoas alcançadas pela Aids é bastante significativa, superando consideravelmente a primeira década. No final de 1998, o quadro de pessoas alcançadas pela Aids se amplia, segundo as novas estimativas da União Nacional de Programa em HIV/AIDS (UNAIDS) e da OMS (Organização Mundial de Saúde). No Sumário Global da Epidemia, o número de pessoas vivendo com HIV/Aids é de 33.4 milhões no mundo, sendo 32.2 milhões de adultos, e 1.2 milhão de crianças menores de 15 anos. O número de pessoas mortas é de 2.5 milhões no mundo, sendo 2.0 milhões, de adultos, e 510 mil, de crianças menores de 15 anos de idade. O total de pessoas que morreram nessas duas décadas com a epidemia de Aids é de 13.9 milhões no mundo, sendo 10.7 milhões, de adultos, e 3,2 milhões, de crianças com menos de 15 anos de idade. O total de novas pessoas infectadas com o HIV/Aids em 1998 é de 5.8 milhões de pessoas, sendo 5.2 milhões, de adultos e 590.000, de crianças com menos de 15 anos de idade. Aproximando-nos do final dessa segunda década, o quadro que se apresenta é outro, com um índice de maior gravidade. Cresce a preocupação do mundo quanto às expectativas futuras da epidemia: seja quanto à escala ascendente de pessoas infectadas pelo HIV, seja com relação às de pessoas doentes e morrendo de Aids.

Face à complexidade trazida pela Aids, uma questão se nos impõe: há um fato social e global que propiciou o surgimento da Aids, envolvendo pessoas de cor, raça, credo, condição social e intelectual num mesmo contexto? (Ferreira 1994). Não se tem ainda uma resposta certa para tal indagação. Alguns estudiosos no assunto da epidemia como L. Montagnier (1995), Ferreira (1994), G. Rotello (1997), L. Chaitow e S. Martin (1988), são concordes no pensamento de que a organização da sociedade moderna em classes sociais bastante desiguais, contribuíram para o assustador volume de pessoas vivendo em condições de pobreza e miséria. Essas condições adversas acarretaram sérios problemas no funcionamento das sociedades, principalmente nos grandes centros urbanos, provocando a degradação das condições de saúde e do meio ambiente.

A fragmentação do mundo moderno impulsionou a criação de grupos marginais e de excluídos, degradou as redes sociais e as estruturas psicológicas gerando a violência e o crime nas proporções atuais. Outros fatores que podem explicar esse advento da Aids são determinados pelas novas migrações e incrementos do turismo mundial, nas últimas décadas. As rotas turísticas de classes médias, associadas aos deslocamentos populacionais, forçaram reordenamentos estruturais da sociedade moderna, com a quebra dos vínculos tradicionais de famílias, amigos, clãs, entre outros. Esta reconfiguração da vida social urbana impôs mudanças sociais significativas nas culturas humanas, estabelecendo a criação de novos hábitos e costumes que contrastam com os anteriormente estabelecidos e vividos. Foi a partir da instabilidade gerada por essas mudanças que o ambiente se tornou propício para o surgimento da Aids, já que a fragmentação das instituições rebate sobre a saúde psíquica e afetiva dos indivíduos.

Montagnier (1995) referenda essa análise. Para ele, a origem da epidemia residiria nas transformações de nossas sociedades porque:

“...o vírus da Aids não mudou, mas a população se tornou mais sensível ....os fenômenos sociais ligados às misturas de populações permitiram sua rápida propagação por via sexual. Nos países ocidentais, pode-se mencionar a liberação sexual que acompanhou a difusão da contracepção hormonal e o reconhecimento da homossexualidade; nos países de Terceiro Mundo, a ruptura das comunidades tradicionais, associada ao desenvolvimento econômico e social” (Montagnier, 1995, p 97).

Segundo este autor, a junção de todos esses fatores, de ordem cultural e social pode ter sido uma das causas da difusão da epidemia de Aids em todo o mundo. As mudanças sociais não ocorrem isoladamente. Elas começaram em locais específicos mas se estenderam por todas as sociedades globais numa certa escala de tempo.

O modo como foi interpretada no início, induziu, porém, a que se associasse a Aids com os “grupos de risco”. A existência do turismo sexual, estimulado principalmente pelos gays norte-americanos, em várias localidades do mundo, contribui para difundir esta imagem. Mas não apenas isso. Outros fatos aconteciam, à época, que também devem ser lembrados: o consumo das drogas injetáveis, a prática homo/bissexual e a prostituição feminina. Todas essas eram consideradas como práticas de vida causadoras da fragilização na saúde humana.

Ferreira (1994) ainda aponta para a questão dos modos de vida nas sociedades modernas serem geradores de estados imunodepressores. Isto reforça as afirmativas de outros autores de que a Aids, ao se instalar na vida das pessoas, o faz com rapidez, causando mais danos à saúde, quando encontra corpos estressados. Nessa perspectiva, a Aids surge como conseqüência e não causa de problemas, existindo evidências de que o comportamento dos indivíduos pode influenciar a função imunológica do organismo – para mais ou para menos. Rotello (1997) na mesma direção, diz que o fenômeno cultural é definitivo no surgimento da Aids. Tomando como referência a situação social da África, lembra que o período da colonização causou choques sociais profundos na vida da sociedade africana, com os agricultores sendo deslocados em massa do campo para as cidades. Por conta dessa migração, as aldeias cresceram como “cogumelos” . As auto-estradas – que anteriormente eram só florestas – ligando antigos vizinhos que mal sabiam das existências uns dos outros, constituíram um fator propiciador do surgimento da epidemia. A prostituição das esposas que ficaram nas aldeias africanas, forçadas pelas circunstâncias financeiras e pela necessidade de complementação de renda familiar, também aparece como causa significante. O autor diz que em tudo o que envolve a discussão do surgimento da epidemia da Aids uma coisa parece ser muito clara, pois:

“Por tempo que o HIV já se encontre nos humanos, há décadas ou séculos, o vírus não encontrou meios de se transformar em epidemia na maior parte do mundo até ocorrer uma vasta liberalização do comportamento humano combinando com o vasto aumento da tecnologia em meados e final do século XX” (Rotello, 1997, pp 48-55).

A pandemia de Aids, ao se instaurar na sociedade contemporânea, não constitui uma questão original. A história das sociedades humanas é marcada pelo surgimento de várias epidemias. Os seres humanos, em suas passagens pela história estiveram sempre em confronto com questões de doenças endêmicas e epidêmicas, sempre lidando com o fenômeno da morte iminente, individual e social.

A. Camargo (1994), relata alguns casos de epidemias que assolaram populações inteiras. Segundo ela, “no final do século XIV a presença da Peste na Ásia, fazendo 25.000 de mortes e propagando-se pela Europa, dizimando um terço de sua população.... Os soldados Europeus, levaram para o Novo Mundo moléstias epidêmicas causando a morte de 19.000.000 de Astecas no final do século XV” (Camargo, 1994, pp 29-31). Outros exemplos são lembrados: a Febre Amarela, a Varíola, a Peste Bubônica e a Tuberculose, esta sendo considerada como a doença do século XIX, a que mais causou mortes no mundo.

Esta mesma perspectiva é partilhada por outros autores como C. Ornellas. No seu trabalho, “O Paciente Excluído” (1997) , analisando a prática asilar no século XIX, mostra como a tuberculose foi uma doença tratada como “doença metáfora”. Para ela, a tuberculose ocupa um lugar de destaque no quadro epidemiológico desse período, bem como compõe as estruturas de representações e fantasias das pessoas. Segundo essa autora, naquele tempo a tuberculose foi considerada como uma doença incurável ou de possibilidades de cura remotas, estando sempre relacionada a uma morte romantizada.

A história da doença no século XIX, diz a autora, “contém e reflete as contradições que se produzem nesse período histórico: o crescimento vertiginoso da economia, produto do capitalismo emergente; o aumento das populações e sua transferência para as cidades; o avanço dos conhecimentos científicos.” ( Ornellas, 1997, p 125). Ornellas faz uma análise interessante dessa fase romântica da tuberculose, dizendo que essa visão romantizada da doença semeou heróis na literatura, no teatro, na música, na poesia.

“E nesse cenário, conturbado mas romântico, do século XIX, que nas artes – na literatura – mais que na ciência – na medicina – a tuberculose vai ser descrita como um símbolo metafórico do próprio século. A evolução lenta, prolongada da doença permitia a ‘criação da história romântica’ que se completava na imagem diáfana, lírica e plena de sentimentos de morte” (Ornellas, 1997, p 126).

Mas, deve ser lembrado o fato de que a tuberculose não foi só a doença dos ricos românticos. Ela foi também a doença dos pobres, dos socialmente excluídos, que eram tratados de modo diferente dos ricos romantizados. A tuberculose se instaurou, assim, iluminando socialmente a representação de uma modernidade configurada em dois lados: os ricos e os pobres, ambos suscetíveis de adoecer, ambos mortais, apesar de seus contextos de vida serem diferentes. Ornellas ( 1997) argumenta que somente a partir da descoberta do agente etiológico da tuberculose, o bacilo de Koch, é que se observa uma mudança nesse cenário. Com essa descoberta termina a romantização da tuberculose para os ricos, quando o “herói e a heroína” perdem seu status, e passam a ser os portadores de uma doença que contagia os que não são portadores. Os ricos passam, também, a causar riscos para os outros. Como diz Ornellas, “o mito perde parte da sua fantasia” ( Ornellas, 1997, p 126).

Uma análise similar a essa é feita por Susan Sontag (1984) . Segundo essa autora, a tuberculose também é uma doença de ricos e de pobres. Quando se trata dos ricos ela é associada a questões do amor inusitado, das paixões avassaladoras que terminam por criar estados febris, rostos pálidos, figuras esguias, talhadas pela “doença do amor.” Quando se trata dos pobres, ela é associada à privação, à falta de alimentação, de agasalhos, de moradias, de aquecimento, de higiene básica.

Pela crueldade dos danos causados à população, a tuberculose foi considerada uma peste da urbanização, da industrialização e das condições sórdidas da vida do novo proletariado. Ornellas diz que “Os testemunhos encontrados na literatura como ‘A Dama das Camélias’ e ‘A Montanha Mágica’, entre tantos outros, podem nos ajudar a compreender o que representou a tuberculose para o homem daquele período” (Ornellas, 1997, p 126). Ao que nos parece, essa romantização se configurou num instrumento ideológico das classes sociais abastadas, como um mecanismo imaginário de negação da possibilidade da condição humana dessa classe ser alcançada por uma doença tão vil.

Nessa perspectiva, a experiência da Aids pode ainda ser entendida pela analogia com outra epidemia que assolou as populações no final do século passado. Trata-se da Sífilis, também conhecida como “Lues”, uma doença venérea que marcou profundamente a vida das pessoas desde o século XIX. Essa doença não tem como característica principal a mortalidade, porém se destaca pelos seus efeitos permanentes e sua reprodução através de gerações. É transmitida pela relação sexual e o seu agente transmissor permanece no sangue da pessoa infectada por muito tempo, podendo se manifestar pelo sistema genético. Seus sintomas são discretas lesões (pequenas feridas) nas genitálias masculina e feminina. Sendo indolor, manifesta-se num espaço de trinta dias após a relação sexual, desaparecendo um mês depois. É diagnosticada através de um exame de sangue (sorologia) e o seu agente vetor é uma bactéria “Treponema pallidum.” O exame de sangue, em algumas pessoas, pode dar positivo (em concentração muito baixa) por toda a vida, mesmo depois da cura completa .

Numa breve abordagem sobre essa doença, sem aprofundamentos em sua etiologia, mas apenas para compará-la com a Aids, buscamos referência no trabalho de Sérgio Carrara (1994), que desenvolveu pesquisa analisando a história social da luta contra as doenças venéreas no Brasil. Segundo este autor, a partir do perfil adquirido no final do século XIX, a sífilis se oferece, entre as doenças venéreas, como um símile ou ponto de partida à comparação quase perfeita para a Aids.

“Como a Aids hoje, a sífilis envolveu representações sociais muito amplas, que incidiram sobre os mesmos pontos: a sexualidade ( em especial os comportamentos sexuais considerados excessivos, desviantes, promíscuos); o medo do contágio e da contaminação: a decadência social, ou a possibilidade de uma morte coletiva. Também como a Aids, a sífilis trouxe à tona graves questões institucionais relativas aos limites das intervenções médicas, legal e moral ou educativa no combate a uma doença” ( Carrara, 1994, p. 273-4).

A análise desse autor é significativa no sentido de que estimula o debate no trato das questões da intimidade, mostrando que em determinadas realidades sociais a intimidade passa a ser discutida abertamente na esfera pública. Torna-se um assunto gerenciado pela coletividade. Por conseguinte, mesmo que determinados tipos de doenças afetem apenas pessoalmente, por serem decorrentes de práticas individuais e íntimas, ligadas à sexualidade, a esfera pública termina se apropriando da questão: impondo modelos e normas, dando outros rumos ao tema. Isso pode ser comprovado nos modos como o Estado e a medicina se organizaram, no século passado, para tratar dessa doença, localizando os grupos de transmissores e desenvolvendo campanhas de prevenção.

Sendo a Aids doença que foi diagnosticada preferencialmente como “uma doença da prática sexual,” por isso prática inter-relacional, sua analogia com a sífilis adquire pertinência. A referência à sexualidade funciona como ponto de ligação entre esses dois fenômenos, distantes no tempo, porém análogos na sua etiologia e nos efeitos culturais.

Avançando um pouco mais no trabalho de Carrara, pinçamos alguns aspectos que consideramos pertinentes para mostrar as analogias entre o contexto social histórico da Aids e o da sífilis. O autor analisa o período da sífilis sob duas perspectivas: de um lado as ações sanitárias do Estado para deter a epidemia configuradas no modelo do regulamentarismo, de outro, as ações da religião, no modelo do abolicionismo. Esses dois modelos representaram duas instâncias de poder devidamente instituídas: pelo lado do Estado, para regulamentar a prostituição e, pelo lado da Religião, para combater a prostituição.

O regulamentarismo foi um modelo francês trazido para o Brasil, adotado na primeira metade do século XIX para alguns fins: combater a libertinagem, proteger a moral das famílias e moralizar o espaço público. O modelo abolicionista surgiu no Brasil no mesmo período, originado dos meios protestantes ingleses. Compunha-se de um conjunto de idéias e de propostas diferentes do regulamentarismo. Em muitos aspectos diferia totalmente deste último, revelando críticas duras à ineficácia dos regulamentos contra a prostituição e de reconhecimento da prostituição como profissão. O que o abolicionismo propunha era a radicalização da institucionalização de todos os prostíbulos, que estariam favorecendo o vício da prostituição dando origem às doenças venéreas (Carrara, 1994).

Assim, os dois movimentos se instituíram de modos diferentes e em instâncias de poder diferentes: Estado e Religião. Os regulamentaristas, como nos mostra Carrara (1994), viam os homens de modo diferente das mulheres, pois os mesmos eram dotados de um impulso sexual irreprimível, que se não fosse dirigido para as prostitutas, acabaria atingindo as mulheres “respeitáveis”. Nesse caso era, a “prostituição vista como o mal necessário”. Os abolicionistas, por seu lado viam os homens com a mesma capacidade das mulheres de controlar os seus impulsos sexuais, isto é, “quando se reconhecia nelas a existência de tais impulsos”. Logo, deveriam existir as mesmas regras morais para as duas representações de gênero, masculino e feminino (Carrara, 1994, p 278-9).

Os modelos, pois, vinham gestados em propostas distintas, cada qual trazendo no seu bojo conteúdos de sustentações ideológicas diferentes. Segundo o autor, o regulamentarismo constava de um tipo de intervenção legal ou jurídico-punitiva; em contraposição, o abolicionismo constava de uma intervenção pedagógico-disciplinar, ou moralizadora e educativa.

A comparação entre a Aids e a Sífilis, feita por Carrara na fase preliminar da sua pesquisa, aponta para dois pólos de aproximação entre as duas doenças. O primeiro é o da sexualidade e do conflito entre duas morais: uma científica e a outra laica. Assim, as duas representações são vinculadas uma à figura marginal da mulher, e a outra, às práticas homossexuais masculinas. Em ambas as práticas, para se atuar eficazmente no campo da prevenção, se requereu um discurso público dos comportamentos sexuais (no caso da Aids não apenas esses), fortemente estigmatizados. O segundo, é o de que tanto num tipo de infecção, a sífilis, quanto no outro, a Aids, o portador foi sempre excluído do convívio social, construindo-se um círculo invisível em torno desses doentes. A intervenção moral disciplinar, procurava fazer com que os sãos se afastassem dos locais perigosos ou dos “focos da infecção”, de modo a tornar eficazes os dispositivos de controle sociais.

O que faz a significativa diferença entre as duas epidemias é a resposta dada pela sociedade civil frente à nova doença. A luta contra a Aids encontra suporte em grupos organizados como os Grupos Gays, as Organizações de Base Comunitária (EUA), as ONGs, o Movimento Feminista e outras representações de grupos organizados em defesa da vida como o Movimento Ecológico. Estes movimentos vêm, ao longo dessas duas últimas décadas, interagindo com as populações de pessoas portadoras, fazendo pressão, em nível mundial, junto ao poder público e privado, requerendo para os atingidos toda a assistência necessária: atendimento médico-hospitalar, medicamentos, reinserção nos campos de trabalho, reivindicação de assessoria jurídica e outras tantas necessidades.

Assim, Aids e Sífilis se aproximam por serem ambas transmitidas pela relação sexual, pelo desvelar da intimidade, apresentando de início, uma categoria de atores responsáveis pela transmissão com perfis próximos. Na sífilis, são as prostitutas e, na Aids, os homens homossexuais. A aproximação dos perfis implica dizer que requerem ações dirigidas do poder público para seu tratamento e prevenção; que os indivíduos incorrem em estigma e exclusão; que as infecções são transmissíveis pelo sangue e, finalmente, porque os atingidos são objetos das intervenções de duas instâncias de poder na sociedade: o Estado e a Religião. Mas, essas aproximações não são significativas para pôr as duas doenças em pé de igualdade. Fica a Aids em condição de superioridade, em nível de periculosidade, perante a Sífilis porque ela é letal, porque até hoje ainda não se encontrou a sua cura, porque ressignifica outras doenças como o câncer, a tuberculose, e a hepatite B e C, além de outras infecções oportunistas (diarréia, herpes, toxoplasmose).

Os contextos social e histórico de cada sociedade são permeados de lutas contra as doenças. É notório em tudo isso que a condição da vida humana é determinada pela realidade sociocultural, econômica e política de cada época. Essa constatação reforça a importância sociológica do fenômeno da Aids, o seu surgimento como resultado das contingências da vida cotidiana, como objetivamos no nosso trabalho. A epidemia de Aids tem capacidade surpreendente de mobilização global da vida e das questões sociais, da ciência, da tecnologia, da cultura, da política e da economia. Favoreceu aos grupos emergentes se expressarem e interferirem na ordem vigente, a exemplo da medicina – na relação médico/paciente. Segundo Camargo Jr. (1994), a Aids tornou-se um poderoso holofote iluminando tensões subterrâneas negadas em nossas sociedades, algumas internas à própria medicina, expondo fantasias mais ou menos ocultas a respeito de vários tabus da nossa cultura. Isso porque, na atualidade, a relação médico/paciente, no que tange ao tratamento do HIV/Aids, tem mudado cada vez mais. Sendo assim, a emergência da epidemia foi capaz de (re)colocar as relações humanas na sociedade sob outro prisma, impondo a superação das fronteiras socioculturais “normalizadas”, que regiam as condutas sexuais.

1.3- Registros Simbólicos Identitários

No espaço de discussão das ciências sociais, duas formas de abordagem da identidade têm relevância para nosso estudo: a psicodinâmica e a interacionista. A primeira surge com os estudos de Freud a respeito das identificações feitas pela criança, por meio das quais passa a assimilar sinais e significações das pessoas e dos objetos externos na construção de suas representações identitárias (Freud, 1996), (Nasio, 1996), (Garcia-Rosa, 1988). A segunda abordagem, a interacionista, particularmente a teoria do interacionismo simbólico, surgiu a partir da teoria pragmática do “eu” discutida por W. James, em finais do sécu1o XIX (1892), e G. Mead no começo do século XX (1934), nos Estados Unidos (Dicionário do Pensamento Social do Século XX, 1996).

A abordagem psicodinâmica tradicional enfatiza o cerne de uma estrutura psíquica como sendo base de uma identidade dinâmica, que seria dada pela capacidade do sujeito de se apresentar como movimento pulsional, desde que integra as mudanças contrastantes ocorridas nos planos psíquicos e históricos. Assim, a identidade como estrutura egóica não sofreria nenhuma descontinuidade, desde respeitasse a centralidade do sujeito. Por seu lado, a abordagem interacionista da identidade considera o “eu” como uma instância identitária flexível, definida não pela estrutura psíquica, mas pelo sistema de interações sociais, permitindo aos indivíduos ponderar de forma reflexiva através da comunicação e da linguagem, estabelecidos através de outro ator social. O que particulariza essa teoria é a concepção da sociedade como uma entidade composta por indivíduos e grupos que, buscam partilhar sentidos, compreensões e expectativas comuns, sendo esta partilha de hábitos, normas etc, a base da identidade individual. Essas idéias interacionadas encontram importante apoio em Goffman (1975) e no seu projeto dramatúrgico.

Na verdade o termo identidade não se define de um modo único, restrito a certos paradigmas ou conceitos uniformes. Segundo o Dicionário do Pensamento Social do século XX (1996), o termo “identidade deriva da raiz latina idem, que implica igualdade e continuidade. Esta palavra tem uma longa história filosófica que examina a permanência em meio a mudança e a unidade em meio a diversidade” (Dicionário do Pensamento social do Século XX, 1996, pp 369-70). Considerando a significação do tema da identidade para a compreensão do nosso objeto de estudo, tentaremos fazer uma elaboração teórica do conceito de identidade que dê conta de certas demandas narcísicas. Isto é, que integre os mecanismos identitários como práticas elaboradas a partir do confronto do sujeito com o outro, confronto que não somente viabiliza apenas trocas de recursos culturais mas, também, de trocas simbólicas, como aparece, por exemplo, no conceito de habitus de Bourdieu (1994).

Para Ciampa (1988) a identidade é uma totalidade. Uma totalidade que é contraditória, porque ao mesmo tempo é múltipla e mutável: “...o ser é uma unidade de contrários que é uno na multiplicidade e na mudança.” Para ele, “Identidade é diferença e igualdade” (Ciampa, 1988, pp 61-2), é qualidade de um processo pelo qual os indivíduos vão sucessivamente, se diferenciando e se igualando, de acordo com suas inserções nos grupos sociais e campos culturais.

Lasch (1990) apoiando-se na psicanálise, define identidade como uma dinâmica cultural particular. A identidade possui um significado mutante: “O significado mutante de ‘identidade’ ilumina o vínculo entre as percepções mutantes do eu e as percepções mutantes do mundo exterior.” (Lasch, 1990, pp 23-4). A identidade deixa de ser um referencial uniforme na auto-identificação passando a ser uma noção flexível que os indivíduos começam a ter de si mesmos, de suas próprias auto-imagens, tomando como referência a dimensão do outro (ou outros).

A identidade pessoal não se define numa única dimensão, como pista de mão única. Segundo Lehmann-Carpzov (1994), “Para a psicologia, o conceito de identidade pessoal é construído mediante articulação do sentimento que se tem da imagem do próprio corpo em sua existência física e daquilo que se chama o produto dos papéis que o indivíduo assume no seu desempenho social.” (Lehmann-Carpzov, 1994, p 124).

A identidade pessoal só se define na concepção do auto-conhecimento, da representação do eu com referência à exterioridade. A imagem afetiva que se constrói do corpo dá uma primeira noção dessa identidade no plano da interioridade, e uma segunda noção seria formada pelos atributos sociais ofertados pela exterioridade: o biotipo, a nacionalidade, situação civil, entre outros. Segundo esta autora, “A identidade pessoal assim considerada surge concomitantemente como um correlato do corpo e dos estímulos físicos dele provenientes, bem como resulta da condensação dos papéis do indivíduo na sua interação social.” (Lehmann-Carpzov, 1994, p. 125). Portanto, a identidade pessoal é uma representação individual formada de um lado na dimensão da subjetividade e autenticidade do sujeito, de outro no confronto com as condições sócio-históricas como o demonstrou conscientimente Castoriadis (1995).

Segundo Burity (1997), as identidades não estão nunca acabadas, pois:

“Elas estão em falta desde o início, elas são falta constitutiva, falta que precisa ser preenchida, mas nunca encontra o ponto final de equilíbrio, pois o nome da falta é o desejo do Outro, que segundo a perspectiva lacaniana, é insaciável, inalcansável – não tanto por sua sublimidade, mas porque o Outro também, não é o ser em plenitude e ser desejante” (Burity, 1997, p 5).

No nosso parecer, identidade social pode ser conceituada como um contínuo da identidade pessoal, já que a identidade pessoal se define na atividade relacional e interativa. A identidade social é um desdobramento da identidade pessoal, visto que em cada forma de interação social ela se representa de modos diferentes. Segundo Ciampa, nós nos representamos a nós mesmos nos grupos onde nos inserimos, de forma que “estabelece-se uma intrincada rede de representações que permeia todas as relações onde cada identidade reflete outra identidade, desaparecendo qualquer possibilidade de se estabelecer um fundamento originário para cada uma delas” (Ciampa, 1988, p. 67).

Os desdobramentos da identidade ocorrem em configurações simbólicas múltiplas. Ciampa advoga que “é do contexto social em que o homem vive que decorrem as suas determinações e, consequentemente, emergem as possibilidades ou impossibilidades, os modos e as alternativas de identidade” (Ciampa, 1988, p 72).

Por sua vez, Lehmann-Carpzov (1994) sustenta que a identidade pessoal e a identidade social se complementam mutuamente. “No plano pessoal a identidade é a consciência da ‘mesmidade’ e no plano social, ela é o reconhecimento da diferença, pois as construções das imagens com que os sujeitos e povos se percebem passam pelo emaranhado de suas culturas, nos pontos de interseção com suas vidas individuais” (Lehmann-Carpzov,1994, p. 124). Através de autores que não são comumente lembrados nos estudos sociológicos, mesmo, assim, que a problemática sociológica entre indivíduo e sociedade que para alguns faria a diferença central entre a teoria do fato social de Durkheim e a teoria da ação social de Weber, apresenta uma dimensão ampla, que supera a preocupação meramente sociológica.

No nosso trabalho buscamos encontrar outros nexos no trato da identidade que dêem conta das suas repercussões políticas. Um desses nexos, se constitui no fato de que a questão da identidade incorre na compreensão da necessidade de um projeto político representacional, a partir do qual as identidades se confrontam e estabelecem, ou não, relações interativas. Isto implica dizer que a formulação de uma política identitária do homem na sociedade assim como a realização de projetos políticos coletivos e plurais necessita vivência democrática. Assim, Ciampa (1988) chama a nossa atenção para dois fatores que devem ser considerados como inviabilizadores num projeto político de identidades. O primeiro diz respeito ao primado da autoridade social sobre a autonomia individual. O segundo, são as representações identitárias já estabelecidas, que muitas vezes aparecem como obstáculos às mudanças sociais e ao reconhecimento das novas representações identitárias, visto que “identidade é um movimento, é desenvolvimento do concreto. Identidade é metamorfose. É sermos o Um e um Outro, para chegarmos a ser um numa infindável transformação (Ciampa, 1988, p.74).

Burity por seu lado referenda a interpretação de Ciampa. Segundo este autor, “toda identidade é política” e “...toda identidade é politicamente ativa”... “A afirmação ou o surgimento de toda identidade e porque referida afirmação consiste em traçar uma fronteira que separa o sou/somos do que não sou/somos, o campo de constituição das identidades é o campo da política”. (Burity, 1997, p. 3). A questão de um projeto político das identidades está presente, dentre outras coisas, na demarcação dos territórios, onde elas se representam ou desejam se representar. Para Burity (op. cit.) “Dizer que a política está na raiz do surgimento e processo de toda identidade esbarra no fato de que muitas identidades se afirmam como apolíticas ou mesmo anti-políticas e na descoberta mais recente de que existem recessos, reentrâncias no social que se quer que estejam ao abrigo da política (Burity, 1997 pp 4-5). No exercício desse projeto político, as identidades se expressam numa dimensão de instituintes, ao se representarem, ao interferirem na ordem já estabelecida. Burity, diz que “...o político é um nome da dimensão de toda prática e identidade,” “...a política diz respeito à explicitação de uma lógica de ação coletiva que demanda a definição de programas e projetos e que implica na institucionalização de práticas ou normas de alcance coletivo (nos limites universalmente aplicáveis)”(Burity, 1997 p. 5).

A experiência da Aids forçou as identidades já instituídas a se reinstituírem. As pessoas portadoras de HIV (soropositivas), ou pessoas doentes de Aids, necessitam buscar novas identidades para viabilizarem suas reinserções nas novas condições de vida. O diagnóstico médico desencadeia uma crise nas identidades. Tal crise é decorrente das mutações oriundas da condição física em que é posta a pessoa infectada (doenças oportunistas), e das mudanças nas práticas vivenciais tais como quebra de laços afetivos (vida conjugal, familiar, amizades). As mudanças atingem espaços sociais freqüentados anteriormente, passando-se a percorrer outros lugares nunca cogitados antes como hospitais, ambulatórios, consultórios médicos, laboratórios e consultórios psicológicos. As mudanças refazem hábitos cotidianos: a alimentação é sujeita a dieta, medicamentos em horários combinados tornam-se rotinas, práticas de sexo, álcool, tabaco são disciplinadas. Uma nova linguagem é inventada como as de conhecer e decorar os nomes dos medicamentos, ou se inteirar de termos da ciência médica: sistema imunitário, CD4, carga viral, janela imunológica, cópias de vírus, célula T auxiliar, protease, infecção oportunista, Teste ELIZA, Teste Western Blot de confirmação, soroprevalência, transcriptase reversa, entre tantos outros. Assim, todo esse novo contexto sociocultural instaura a diferença na vida antes/depois do HIV/Aids, e desencadeia a crise nas identidades, impondo a redefinição das mesmas. Novas perspectivas de vida são então criadas.

Entendemos que tratar de redefinição das identidades dos portadores remete à discussão de crise de identidade, visto que o ato de redefinir implica em que houve conflitos e incertezas em relação às crenças anteriores, às escolhas já feitas precedentemente. Pelo fato das identidades serem instâncias mutantes, elas estabelecem novas definições. Segundo o Novo Dicionário do Pensamento Social Século XX.

“....falamos de “crise” em relação a sujeitos, a uma vida ou uma forma de vida, a um sistema ou uma “esfera” de ação. As crises decidem se uma coisa perdura ou não. O caso paradigmático de crise é a crise de vida, na qual, se levada ao extremo está se tratando de uma questão de vida ou morte.” “A crise leva aos confrontos com as questões básicas: ser ou não ser, fazer ou não fazer, e nascem questões objetivas, mesmo, às vezes, o indivíduo não, possuindo numa primeira instância, o conhecimento de onde ele se originou”. “Elas também sempre afetam a auto-compreensão e a auto-definição de agentes, sistemas ou esferas, uma vez que sempre afetam sua ‘identidade’, isto é, uma vida ou situação de vida como um todo” (Dicionário do Pensamento social do Século XX, pp 156-7).

As crises, são sempre resultantes de alguma situação externa, cultural, mas elas também são do interior, dos processos psíquicos. O campo onde elas se representam é na exterioridade, embora sejam ressignificadas singularmente pelos indivíduos. Segundo F. Bollnow (1974), a crise evolui do interior de modo imprescindível: “na crise, sempre se trata de um distúrbio no processo normal de vida; essa perturbação se destaca pelo caráter repentino do seu aparecimento e por sua intensidade fora do comum; na crise a continuidade de vida aparece totalmente ameaçada e pelo trânsito através da crise se estabelece por fim um novo estado de equilíbrio” (Bollnow, 1974 pp 42-3).

Para Ballnow, a crise possui uma significação: ela é purificadora. Na crise, o indivíduo procura livrar-se dos problemas que o acometem, e ressurgir novo. A crise é também uma decisão. O indivíduo deverá optar entre possibilidades, de modo que nessa opção ele recupere o equilíbrio biopsíquico ameaçado e se sinta restabelecido e pronto para retomar sua vida.

Nessas interpretações, encontramos os precedentes teóricos para a discussão das identidades no nosso objeto de trabalho. No modo como as identidades das pessoas soropositivas e com Aids se representam no gênero, na exclusão, nas políticas públicas governamentais, na ação das ONG/Aids, como tentaremos mostrar posteriormente na análise de dados estão na dependência deste jogo de trocas de sinais e símbolos que começam as representações sociais e individuais.





sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A PAZ!



"Paz! Eu quero a paz! quero ficar em Pa, eu só queria um pouquinho de Paz!
Não existe paz individual e solitária; não existe um humano sem os outros. Ser humano é ser junto.
É necessário negar a afirmação liberticida de que minha liberdade acaba quando começa a do outro.
A minha liberdade acaba quando acaba a do outro; se algum humano ou humana não é livre da fome, ninguém é livre.
Se algum homem ou mulher não for livre da discriminação, ninguém é livre da discriminação.
Se alguma criança não for livre da falta de escola, de família, de lazer, niguém é livre.
Por isso é preciso que à paz (para que ela se efetive) se acresça a justiça.
E o que é a justiça?
é todos e todas terem paz!
Essa utopia ainda vale? Precisa valer!"
____________________________________________________
Cortella, M. S., Revista Educação - ano 28 - nº 251, março de 2002 

Imagens da Violência...








A violência está sendo tema de discussão em diversos segmentos da sociedade brasileira. Nas últimas três décadas ten-se vivido situações de violência indescritivéis em praticamente todos os âmbitos da vida social. Pesquisas realizadas vem demonstrando dados alarmantes de práticas de violência. Nos contextos da vida social na atualidade alguns públicos estão se destacando como maiores vítimas de práticas da violência. Dentre tantos fazemos destaque aqui do público feminino, do público infantil e do público de pessoas de orientação sexual diferente da considerada normal pela moral sexual vigente.

NOTA:
Pedimos a vcs seguidores que aguardem continuação desse assunto, ainda estamos na pesquisa...para lhes dar dados convcretos,

 Miriam Fialho

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

IMAGENS DO 8º ERONG





O ERONG é um Encontro Regional de ONG's que atuam junto as pessoas vivendo e convivendo com HIV/AIDS. Essa atuação se dá em instâncias diferenciadas, mas que se complementam. Temos aqui em Pernambuco um Fórum de AIDS que consta de um Movimento Social formado por uma coletividade de ONG's para monitorar e avaliar as politicas públicas e sociais do Estado Nacional buscando atender as necessidades das pessoas alcançadas pelo HIV/AIDS.

Esse 8º ERONG foi realizado em Salvador/BA e teve como tema a questão da Visibilidade e do Poder, a partir do que a sociedade civil vem fazendo, com o seu ativismo coletivo para enfrentar a epidemia da Aids, monitorando as políticas públicas para prevenão e assitência das pessoas vivendo com o HIV/AIDS. Também vem se lutando para fazer o controle social dessas políticas, para se ter a garantia e efetivação, a sustentabilidades dos programs govenamentais e comprovação pública de que as mudanças que são notificadas sejam reais e não apenas as ferramentas do Estado Brasileiro para dizer a sociedade que o seu Programa, é realmente o melhor do mundo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

VIÚVA DE PAULO FREIRE ESCREVE CARTA DE REPÚDIO À REVISTA VEJA

Atualizado em 12 de setembro de 2008 às 10h46min |
Publicado em 12 de setembro de 2008 às 10h38min

Por CONCEIÇÃO LEMES

Na edição de 20 de agosto a revista Veja publicou a reportagem O que estão ensinando a ele? De autoria de Monica Weinberg e Camila Pereira, ela foi baseada em pesquisa sobre qualidade do ensino no Brasil. Lá pelas tantas há o seguinte trecho:

"Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa, que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado".

Curiosamente, entre os especialistas consultados está o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp. Ele é o autor de um artigo publicado na Folha, em 1990, cujo título é Ceausescu no Ibirapuera. Sem citar o Paulo Freire, ele fala do Paulo Freire. É uma tática de agredir sem assumir. Na época Paulo, era secretário de Educação da prefeita Luiza Erundina.

Diante disso a viúva de Paulo Freire, Nita, escreveu a seguinte carta de repúdio:

"Como educadora, historiadora, ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo Freire e viúva do maior educador brasileiro PAULO FREIRE -- e um dos maiores de toda a história da humanidade --, quero registrar minha mais profunda indignação e repúdio ao tipo de jornalismo, que, a cada semana a revista VEJA oferece às pessoas ingênuas ou mal intencionadas de nosso país. Não a leio por princípio, mas ouço comentários sobre sua postura danosa através do jornalismo crítico. Não proclama sua opção em favor dos poderosos e endinheirados da direita, mas , camufladamente, age em nome do reacionarismo desta.

Esta vem sendo a constante desta revista desde longa data: enodoar pessoas as quais todos nós brasileiros deveríamos nos orgulhar. Paulo, que dedicou seus 75 anos de vida lutando por um Brasil melhor, mais bonito e mais justo, não é o único alvo deles. Nem esta é a primeira vez que o atacam. Quando da morte de meu marido, em 1997, o obituário da revista em questão não lamentou a sua morte, como fizeram todos os outros órgãos da imprensa escrita, falada e televisiva do mundo, apenas reproduziu parte de críticas anteriores a ele feitas.

A matéria publicada no n. 2074, de 20/08/08, conta, lamentavelmente com o apoio do filósofo Roberto Romano que escreve sobre ética, certamente em favor da ética do mercado, contra a ética da vida criada por Paulo. Esta não é, aliás, sua primeira investida sobre alguém que é conhecido no mundo por sua conduta ética verdadeiramente humanista.

Inadmissivelmente, a matéria é elaborada por duas mulheres, que, certamente para se sentirem e serem parceiras do "filósofo" e aceitas pelos neoliberais desvirtuam o papel do feminino na sociedade brasileira atual. Com linguagem grosseira, rasteira e irresponsável, elas se filiam à mesma linha de opção política do primeiro, falam em favor da ética do mercado, que tem como premissa miserabilizar os mais pobres e os mais fracos do mundo, embora para desgosto deles, estamos conseguindo, no Brasil, superar esse sonho macabro reacionário.

Superação realizada não só pela política federal de extinção da pobreza, mas , sobretudo pelo trabalho de meu marido – na qual esta política de distribuição da renda se baseou - que demonstrou ao mundo que todos e todas somos sujeitos da história e não apenas objeto dela. Nas 12 páginas, nas quais proliferam um civismo às avessas e a má apreensão da realidade, os participantes e as autoras da matéria dão continuidade às práticas autoritárias, fascistas, retrógradas da cata às bruxas dos anos 50 e da ótica de subversão encontrada em todo ato humanista no nefasto período da Ditadura Militar.

Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média brasileira medíocre que tem a Veja como seu "Norte" e "Bíblia", esta matéria revela quase tão somente temerem as idéias de um homem humilde, que conheceu a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e dignidade restaurou a esperança no Brasil. Apavorada com o que Paulo plantou, com sacrifício e inteligência, a Veja quer torná-lo insignificante e os e as que a fazem vendendo a sua força de trabalho, pensam que podem a qualquer custo, eliminar do espaço escolar o que há de mais importante na educação das crianças, jovens e adultos: o pensar e a formação da cidadania de todas as pessoas de nosso país, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, idade ou religião.

Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a voz de Paulo, a validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira está no caminho certo para a construção da autêntica democracia. Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de proclamar que Paulo Freire Vive!

São Paulo, 11 de setembro de 2008
Ana Maria Araújo Freire".

sábado, 12 de setembro de 2009

SIDA: ÁFRICA SUBSAARIANA

África/Sida

Doentes com Sida estabilizam na África sub-saariana



Crédito: D.R.

O número de doentes com Sida está a estabilizar-se na África sub-saariana, mas cresce no leste europeu e na Ásia, pelo que é demasiado cedo para a “auto-satisfação”.

Num comunicado emitido por ocasião do Dia Mundial da Sida, a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho refere que "se há alguma coisa ainda mais perigosa do que o VIH (vírus da imunodeficiência humana), é a auto-satisfação" que possa ser suscitada pelos progressos alcançados.
"Embora as taxas de infecção tendam a estabilizar-se em certas partes da África sub-saariana, continuam a aumentar noutras regiões onde muitas pessoas não têm consciência do perigo, nomeadamente na Europa de Leste e em várias regiões da Ásia", considera o representante especial da Federação para a sida, Mukesh Kapila.
Segundo um estudo recente das autoridades russas, um total de 417.208 pessoas contraiu a doença, que alastra no território.
A Federação sublinha, por outro lado, que a discriminação contra as pessoas atingidas continua a ser grande em certas partes do mundo.
"A persistência do opróbrio e da discriminação para com as pessoas que vivem com o VIH é inaceitável para qualquer comunidade confrontada com este desafio", sublinhou hoje o director do programa mundial da Federação Internacional sobre o VIH em Genebra, Bernard Gardiner.
A acção da Federação, que visa as pessoas mais vulneráveis, chegou a 32 milhões de doentes em África entre Janeiro de 2005 e Junho de 2008.
O Programa da ONU contra s sida (ONUSIDA) preveniu que não divulgará excepcionalmente este ano o seu habitual relatório anual por ocasião do Dia Mundial (1 de Dezembro) por motivos de alteração de metodologia, mas a Organização Mundial de Saúde (OMS) previu recentemente um forte aumento do número de mortes em 2008.
De acordo com a OMS, 2,2 milhões de pessoas deverão morrer da doença em 2008.
___________________________
Fonte: Lusa
Autor: África Today/CB

Data: 28 / 11 / 2008

Cópia feita no Google – 12.09.09

Projeto Para Seleção...

PROJETO DE PESQUISA APRESENTADO AO PPGS
Programa de Pós Graduação em Sociologia da UFPE
2009

O Movimento Social da AIDS no Brasil.
A busca das identidades coletivas vivendo com HIV/AIDS pela estruturação do seu território político de representação.



Miriam Fialho da Silva
Mestre em Sociologia

Recife - Pernambuco



1. apresentação

Este projeto se configura como uma ferramenta através da qual pretendemos pesquisar como a população soropositiva para o HIV/AIDS vem buscando estruturar, como movimento social, o seu território político de representação das identidades coletivas no Brasil . Esta é uma luta que já vem de longe, de mais de duas décadas de pandemia, que não se iniciou em nosso país. Ultimamente, porém, ele vem se dando conta da sua responsabilidade social em gerir políticas públicas para prevenção e assistência. Sentiu-se convocado pela sociedade civil a assumir certo ativismo com o objetivo de garantir a sobrevivência das pessoas soropositivas+, a partir da combinação de medicamentos cognominada de “coquetel”.
Esta iniciativa representa também uma retomada de alguns recortes da nossa dissertação de mestrado, cursado nesta academia, finalizada em janeiro de 2000, defendida e aprovada. A investigação desse tema no mestrado teve hipóteses norteadoras originadas da seguinte questão: “qual o sentido da vida para alguém que se descobre infectado com o vírus da AIDS?”. Esta pergunta deu origem a três hipóteses, que foram norteadoras da pesquisa. 1)a condição de portador do HIV/AIDS desencadeia após o recebimento de um diagnóstico médico de soropositividade um processo de crise existencial, forçando uma redefinição da identidade pessoal. 2) a condição de gênero influi na redefinição da identidade da pessoa infectada com o HIV/AIDS. 3)a pessoa infectada como o vírus HIV/AIDS sofre estigma e exclusão no processo de tratamento a partir da relação entre o médico e o paciente.
Pressupomos que as identidades se fragilizavam e em função disto as pessoas que estavam infectadas entravam em fortes crises de depressão e não viam alternativa para dar prosseguimento às suas vidas. Essa fase era, então, bastante difícil, visto que naquela época ainda não havia medicamentos para o tratamento a nível popular e apenas as pessoas de condição social abastada tinham como importar remédios de fora do país para se tratarem. um outro fator observado foi o de que o preconceito e a discriminação sofridos pelos seus grupos de pertença, como a família, os amigos no trabalho, a relação conjugal, indo além destes, os deixavam sem esperança de voltar a viver uma vida normal. Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, a partir da análise dos dados, percebemos outros conteúdos relevantes para nossa análise. Vimos que, a partir do tratamento médico, da interação social com outras pessoas que estavam vivendo o mesmo drama nos corredores dos hospitais e da participação nas ONGS, onde recebiam tratamento psicológico, dentre outras coisas, as pessoas iam se fortalecendo e passavam a dar inicio a um novo repensar de vida. Começavam a fazer, ou a dar continuação aos seus projetos pessoais. Sua dimensão identitária se fortalecia e voltavam a retomar suas atividades. Na conclusão da nossa pesquisa observamos que a identidade das pessoas não se redefinia mais em função de um “eu ideal” (de que trata Lasch) (ano), mas num “ideal de eu”, um eu mínimo, que os levava a pensar a vida numa perspectiva de mínima sobrevivência. Isto acontecia a partir de negociações com o tratamento que lhes possibilitasse darem conta de algum projeto que estava em andamento em suas vidas, e também uma negociação com o próprio HIV, para que os deixasse ir mais longe para terminar de criar filhos, vê-los se formarem, terminarem de construir uma casinha e outras coisas mais.
Estas são algumas das variáveis que ficaram em aberto no mestrado e que consideramos pertinente retomar para aprofundamento em uma pesquisa de doutorado. Entendemos ser essencial fazer um resgate das mesmas com um enfoque teórico, até porque houve uma evolução imensa no trato da questão global da AIDS, mudanças de naturezas diferenciadas que estão sendo processadas a cada dia, já que nós temos hoje pessoas vivendo com vinte anos de infecção de HIV+.
Das variáveis, consideradas significativas para serem retomadas para pesquisar no curso de doutoramento estão: a) a busca das identidades já redefinidas por um espaço de representação, o espaço onde essas identidades possam atuar na reivindicação dos seus direitos sociais; b) a questão de gênero, tomando como referência de análise as relações de consangüinidade e aliança, observando-se o papel do homem no trato com a mulher infectada por ele, mas cuja família discorda e não assume a responsabilidade de cuidar dele, ficando essa tarefa para a mulher; e, por outro lado, a família dessa mulher também não assume o papel de cuidar dela, porque ela está cuidando do marido que a infectou. Nesse sentido é fundamental que essa mulher busque fazer articulações com os fóruns femininos e as ONGS para ter apoio nessa situação. (c) a negação de pessoas infectadas com o vírus HIV/AIDS de que sofrem estigma e exclusão no processo de tratamento a partir da relação entre o médico e o paciente. Essa variável foi explicada na pesquisa e justificada pelo fato de o médico aparecer perante o paciente representando o poder simbólico para a cura, trazendo a saúde e afastando a idéia da morte iminente.

2. definição do problema

O problema que vamos estudar trata essencialmente de como a sociedade civil, afetada pelo vírus da AIDS, consciente de seus direitos de cidadania se organizou e reivindicou do estado brasileiro o reconhecesse da existência da epidemia da AIDS como um fenômeno de complexa gravidade, que em função disso estava pondo em situação de risco de vida as pessoas daquele país, o que era da sua inteira obrigação que fossem gestadas políticas públicas de saúde para enfrentamento da situação naquele momento em pauta. ao longo do tempo, viu-se a necessidade de que as identidades coletivas que estavam soropositivas para o vírus HIV/AIDS precisavam tomar uma iniciativa e se unir enquanto movimento social, para numa articulação coletiva com outras representações sociais, estruturar o um território político institucionalizado, onde essa coletividade pudesse a partir do reconhecimento do seu território de representação pela esfera pública e esfera federal, exercer as ações de prática política e a cidadania ativa democrática ir fortalecendo o meio social da epidemia da AIDS.
o projeto significava essencialmente que questões relacionadas à assistência, prevenção, tratamentos de doenças oportunistas e efeitos colaterais de medicamentos fossem assumidos pelo estado brasileiro. Incluíam-se também no projeto as ações de advocacia para a garantia de direitos de cidadania ativa, liberdade de expressão, tratamentos de saúde para reparar efeitos colaterais da combinação de medicamentos, efetivação de ações sociais e culturais para a erradicação da descriminação e do preconceito, entre outras conseqüências, e fosse veiculado de modo a tornar possível a qualquer pessoa HIV+ ou doente de AIDS transitar socialmente com dignidade.
Desde o surgimento da epidemia da AIDS no Brasil, sendo os primeiros casos notificados na região sudeste, onde o estado de são Paulo liderava o índice de pessoas infectadas, foram organizados movimentos sociais de grupos de ajuda mútua para se fortalecerem emocionalmente e buscarem, junto aos órgãos governamentais da saúde, políticas públicas de assistência que os favorecessem na melhora da sua saúde e na qualidade de vida. a junção desses grupos permitiu a criação de uma ética do sigilo e do respeito mútuo do que era discutido e tratado entre eles, fundamental para se poder participar dos encontros de discussão das estratégias que seriam tomadas em direção à busca dos interesses coletivos. Deste modo, foi dado início no meio social da AIDS uma aproximação íntima e de muita cooperação entre as pessoas soropositivas que começou a se expandir envolvendo também outras pessoas que não estavam infectadas, mas que se sensibilizavam para atuar junto a elas fazendo as intermediações para que houvesse o seu aceite social. Esse movimento ganhou espaço na mídia e aos poucos as pessoas foram sendo chamadas para participar de debates, darem entrevista na imprensa escrita, etc., todavia elas nem sempre aceitavam esses convites em função do preconceito e discriminação que poderiam sofrer, bem como porque, em muitos casos, as próprias famílias não tinham ainda conhecimento de que elas estavam infectadas com o vírus HIV+.
As categorias que formavam esses grupos eram: homens de orientação homossexual, profissionais do sexo, masculino e feminino, usuários de drogas ilícitas, o movimento feminista a partir do fórum de mulheres, que milita pelas questões de gênero, e as pessoas que conviviam com a questão da AIDS por ter alguém do seu grupo de pertença, ou de amizades, que era soropositivo. Tais categorias já haviam criado seus espaços de representação; porém, o ato de agregação com pessoas do HIV+ fez uma grande diferença, porque representou um somatório de esforços humanos. Essa iniciativa foi de singular valor para fazer com que nascesse o movimento social da AIDS no Brasil.
Com o passar da primeira década da AIDS muitas coisas já haviam acontecido em beneficio das pessoas infectadas. As ONG’s de AIDS já haviam sido estabelecidas e passaram a conduzir os processos de ajuda mútua, tratamento psicológico, parcerias com hospitais de referência, visitas aos familiares que sabiam e queriam ajudar, elaboração de projetos para captação de recursos para manter as atividades planejadas, e muitos outros mecanismos de intervenção junto aos governos e às agências de cooperação internacional. é importante ter em mente que o desenho inicial dos padrões de mobilização da sociedade civil de respostas à AIDS foram determinados pela conjuntura de intensa mobilização do contexto da democratização. os embates entre ONG e o governo federal predominaram durante o período Sarney (1986–1990) até o final do governo Collor, em 1992. Analisando o papel político das organizações não-governamentais de prevenção da AIDS e sua relação com o estado, percebemos que havia certo uso estratégico da pressão exercida pelas ONG por parte dos setores governamentais: no caso da ABIA e de outras ong-aids que mantêm uma relação de pressão sobre o governo, o acompanhamento que elas fazem é essencial para a aplicação dos programas. É necessário, ainda, assinalar dois aspectos relacionados à construção de respostas à AIDS no Brasil onde a presença das ONG’s foi afetada ou teve importante papel: o financiamento do banco mundial dispensado ao governo brasileiro, em 1992/1993, e a concessão de acesso gratuito e universal, na rede pública da saúde aos medicamentos anti-retrovirais, em 1996. O financiamento do banco mundial concedido ao Brasil para o controle da epidemia representou, segundo documentos do próprio banco, transformar o Brasil em um test case de políticas da instituição para a área de saúde e especificamente para a AIDS.
o montante dos recursos e o fato de que o projeto foi a principal fonte de investimentos do país para controlar a epidemia tornaram o empréstimo um ponto de inflexão na trajetória das políticas para a AIDS. Analistas observam que a partir do processo de negociação do empréstimo, o governo brasileiro elaborou o projeto de controle de AIDS e DST (ou AIDS i), que representou um divisor de águas nas políticas tanto governamentais quanto comunitárias de saúde relacionadas à gestão da epidemia (Galvão, 2000). Isto porque um item importante da negociação do empréstimo, vital para a centralidade das ONGS no contexto político das ações de prevenção e tratamento, foi a exigência do envolvimento dessas entidades, especialmente por serem vistas como mais eficientes para atingir os mais pobres e os mais resistentes, como homossexuais, usuários de drogas e profissionais do sexo (Galvão, 2000). Alguns autores, a propósito do papel que as agências multilaterais atribuíram às ONGS, chamaram a atenção para o fato de que elas têm sido conceituadas como atores de desenvolvimento e não tanto como fenômenos sociais que devem ser entendidos em relação a um conjunto de outras relações sociais (bebbington, 2002). o fato relevante é que as ONG/AIDS passaram a contar com recursos do programa nacional para desenvolver programas de prevenção e apoio, sendo esta a fonte essencial de sobrevivência de várias entidades, colocando em jogo a autonomia dessas iniciativas, como indicaremos adiante. em relação ao tratamento dos portadores sintomáticos do HIV, contrariando as recomendações não só do banco mundial, mas da OMS e da OPS de que os países pobres devem investir recursos na prevenção de novos casos, e não no tratamento dos doentes, a partir de 1996 o Brasil passou a dar acesso, de forma gratuita e universal, na rede pública de saúde, aos medicamentos anti-retrovirais, o que Galvão chama de “uma das ações mais espetaculares do programa nacional de AIDS” (2000).
A implementação da lei 9.313, de novembro de 1996, que tornou obrigatório o fornecimento de medicamentos para AIDS, fortaleceu os órgãos públicos perante a sociedade, a mídia e alguns fóruns internacionais, de forma que o país assumiu uma batalha internacional para garantir a continuidade da produção de medicamentos para AIDS. Galvão (2002b) chama a atenção, contudo, para o fato de que esse capítulo, longe de estar encerrado, mantém abertas questões cruciais. Em 2002, mais de 100 mil pessoas recebiam medicamentos para a AIDS, o que representava aproximadamente 10% das pessoas que globalmente recebem medicamentos no país. Acrescente-se a isto que mais da metade dessas pessoas, no estado de são Paulo, estavam desempregadas, em 2001. A articulação desses elementos levanta dúvidas sobre o futuro dessa conquista.
Seja como for, parece não haver dúvida de que, no caso da epidemia de AIDS, as ONGS desempenharam papel importante para o desenvolvimento de políticas de prevenção e assistência. Assim, a presença acentuada da sociedade civil no contexto das respostas à epidemia contribuiu decisivamente para a construção do que alguns analistas chamam a especificidade da história da AIDS brasileira. Também fica claro que essa participação se deu, em grande medida, dentro do paradigma típico das organizações não-governamentais e das características de especialização, competência técnica, profissionalização da militância, tendência à proliferação de iniciativas e de articulações internacionais. Em relação à autonomia diante do estado, a trajetória das ONGS foi marcada por dois momentos distintos. Nos anos 80, de franca oposição. Nos anos 90, predominaram relações de cooperação, inclusive com um trânsito intenso de militantes de ONG passando a gestores de programas governamentais .
Ao longo dessas duas décadas da epidemia, o ativismo da sociedade civil teve papel relevante junto às instâncias governamentais. Estamos falando das pessoas infectadas pelo HIV+ ou já doentes de AIDS, e da contribuição técnica e intelectual de profissionais, especialmente autônomos, professores, psicólogos, sociólogos, que somaram esforças, muitas vezes em força tarefa para capacitar as pessoas de nível intelectual e cultural muito inferior, no sentido de habilitá-los para a compreensão da nova linguagem que a epidemia da AIDS desvelava, de forma que essas pessoas se tornassem capazes de participar de debates, seminários e fóruns acerca dos procedimentos efetuados para educar na compreensão do que é ser uma pessoa soropositiva, ou doente de AIDS. Hoje, fica notório que sem essa força ativista da sociedade civil, unindo as instituições sociais para ajudar no enfrentamento para combater a epidemia, o flagelo causado por ela seria de uma expressão avassaladora, e certamente que os índices de infecção ou morte pela AIDS seriam incomparáveis em relação aos atuais.

4. justificativa

A AIDS se configura como um grande flagrante na sociedade contemporânea. O seu surgimento ilumina situações polêmicas de diversos teores que explicam os modos organizativos de vida social e cultural das pessoas. Surgindo em um tempo histórico em que muitas das grandes epidemias foram dadas como erradicadas, a epidemia da AIDS deixou as sociedades globais em estado de perplexidade, atingindo as rotinas de instituições sociais, a exemplo da família, religião, ciência médica, o mundo do trabalho, indo além delas. O ponto fulcral da epidemia se estabelece nos danos que o agente etiológico do vírus HIV causa no ser humano destruindo seu sistema imunológico e, pela falta de um tratamento eficaz para combatê-lo, termina por levar as pessoas a desenvolverem doenças oportunistas que terminam por levá-las a óbito.
Já se passaram mais de duas décadas dessa epidemia e ainda vemos populações desarticuladas com o saber acerca dela, do seu surgimento, dos modos como se pega e o que deve ser feito para não se infectar com AIDS.
Em rápidas pinceladas, pode-se dizer que as primeiras notícias sobre o surgimento do fenômeno da AIDS chegaram dos estados unidos da América no inicio da década de 80, especificamente em 1981, através do CDC (Center For Disease), órgão norte americano governamental. As noticias davam conta de que nos hospitais do estado da Califórnia, estavam sendo atestados casos de uma doença desconhecida e muito estranha e não conhecida pela medicina.
A epidemia estabeleceu entre a população um ritmo de crescimento surpreendente, causando perplexidade nas pessoas e desafiando a medicina, por desconhecer a sua etiologia. a medicina, que tem seu trajeto histórico marcado pelos desafios de descobrir, diagnosticar e tratar as grandes doenças bastante complexas como a: peste negra, a gripe espanhola, a tuberculose, entre outras mais, se viu novamente às voltas com uma doença que sinalizava ser um fenômeno que não prometia fácil solução. os esforços foram inéditos no sentido de dar início, e com muita rapidez, na busca de respostas para o enfrentamento da doença, de modo que num espaço de tempo muito curto, menos de três anos, ela foi identificada e notificada para todo o globo. Numa cronologia de: 1981-1983, o agente vetor foi isolado pela primeira vez; em 1984, foi feita a demonstração do agente da AIDS, aceita pela comunidade cientifica. A conclusão a que a medicina chegou e que voga até os dias atuais foi a de que a AIDS é uma doença de origem viral e que a sua gravidade está no fato de o agente infeccioso ser um retrovirus que afeta, sobretudo, as células do sistema de defesa do organismo .
Em resumo, pode-se dizer que a epidemia da AIDS é uma doença nova, reconhecida como um fenômeno social no campo da saúde, diagnosticada no começo da década de 80 pelos franceses e norte americanos. É uma doença que afeta e faz adoecer o sistema imunitário, resultante da infecção por um vírus que é transmissível em circunstâncias determinadas pela troca íntima de fluídos do corpo. Essa troca pode se dar através das relações sexuais, transfusão de sangue (hoje quase erradicado), no parto, na amamentação, ou, acidentalmente, por ocasião de ferimentos com objetos perfuro cortante .
A experiência da AIDS impactou sobremaneira o globo. Houve um grande reboliço no meio da medicina e também de algumas instituições, como a família e o trabalho após o descobrimento da sua etiologia. Do modo como a mídia notificou a morte de determinadas pessoas, todas de classe social abastada, e também pelo fato de que as pessoas que estavam indo a óbito pela AIDS eram homens de orientação homossexual, a mídia notificou a doença como uma doença dos gays, e assim a mesma foi denominada como “peste gay”. Daí deu-se inicio ao preconceito e à discriminação, até mesmo no meio médico, o que causou algumas complicações na relação médico-paciente, visto que os eles não queriam atender pacientes infectados, ou que haviam morrido com a doença. Criou-se ai o imaginário social da AIDS: é uma doença que mata quem se aproximar de uma pessoa infectada. Esse aspecto do preconceito e da descriminação tem sido algo bastante complicado na questão da AIDS. ao serem descobertas como pacientes soropositiva ou com AIDS, as pessoas poderiam ser demitidas do trabalho, caso fossem descobertas, sofrer uma separação conjugal, ser expulso da família, perder grupos de amigos, dentre outras coisas.
A população afetada pela AIDS, em princípio, era de classe social alta. Eram pessoas que viviam viajando para o exterior e assim possuíam condições de ir buscar tratamento nos estados unidos ou na Europa. Mas, estar infectado com o vírus HIV é uma situação bastante desconfortável visto que essa condição punha a intimidade das pessoas às claras, e porque a mídia a associou-a ao grupo de risco que eram os gays e os profissionais do sexo, masculinos e femininos.
A partir do crescimento dos índices da infecção nos diversos países do globo, as pessoas infectadas começaram a formar grupos para reivindicar das autoridades governamentais e da saúde que fossem criadas políticas públicas para tratamento da epidemia. Segundo Castell, o movimento feminista foi quem deu início aos apoios para as pessoas infectadas, especialmente os gays, que naquela época já eram um movimento estruturado nos países de primeiro mundo. Somando esforços com o movimento feminista e das lésbicas, chegaram também a ter o apoio das mulheres heterossexuais. Na história do movimento gay dos estados unidos está a revolta de stonewaal, ocorrida em Greenwich Village, bairro nobre de Nova Iorque, em 26 de junho de 1969, quando centenas de gays lutaram contra policiais durante três dias em reação a uma incursão violenta no “the stonewall”, um bar gay. o protesto é considerado o ponto de partida do movimento de liberação sexual gay nos estados unidos (castell, 1999, p. 248) .
Em todo o globo começaram a surgir casos de pessoas infectadas com o vírus da AIDS, e não eram apenas os homossexuais, mas também mulheres casadas, profissionais do sexo feminino, e crianças. Pela complexidade do problema, o público que a mídia responsabilizou pela enfermidade, as contradições internas existentes no campo da ciência da medicina (a querela entre França e EUA acerca de quem tinha descoberto o vírus HIV), as questões políticas dos países do primeiro mundo referentes ao neoliberalismo, não deram a atenção que a AIDS estava requerendo. Em princípio, ficou na lei do ”cuide-se quem puder”, e tiver condições. Não havia nenhuma política pública para enfrentar a doença, nem para assistência, nem para a prevenção. Somente depois que a OMS (Organização Mundial de Saúde) começou a tomar a iniciativa de sistematizar formas de conhecer para tratar a epidemia, foi que as coisas mudaram e começaram as providências para tratar a epidemia.
A relevância desse estudo para nós é bastante significativa, visto que o movimento social da AIDS terminou por fortalecer os outros que já militavam dentro do país, fazendo a união entre a diversidade social dos grupos.
Falar sobre movimentos sociais não é uma tarefa fácil. a variação teórico-conceitual construída para sua análise chega a causar certo constrangimento no imaginário dos estudiosos visto que a compreensão dos modos e processos de criação de uma instância dessa ordem requer que estejam situados na compreensão da sociedade civil e dos seus paradigmas. Isto só acontece a partir das proposições sugeridas para as mudanças sociais nos eixos das políticas sociais, econômicas e culturais que compõem o estrato da sociedade. no estudo dos movimentos sociais são requeridos conhecimentos diversos dos paradigmas que explicam e sustentam o seu eixo teórico. O conjunto paradigmático explicativo da constituição dos movimentos guarda em sua composição vários temas, conceitos, categorias, que não funcionam isoladamente, mas podem ser interpretados de forma que essas interpretações sejam feitas entre uma categoria e outra, e podem ser complementadas por se encontrarem similaridades no seu conteúdo. Partindo dessa premissa, é possível observar a notoriedade dos paradigmas teóricos de um movimento social e como é delicado entrar na sua discussão, sem se ter conhecimento substancioso das analises conceituais, construídas pelos teóricos ao longo dos anos.
No Brasil, não houve muita diferença no trato da questão AIDS. a epidemia foi notificada aqui em 1982 e em pouco tempo já se sabia que havia um número significativo de pessoas infectadas, precisando de assistência e cuidados especiais. o governo brasileiro também não aderiu à questão do trato da doença, pois não a considerava como de sua responsabilidade, mas dos que estavam doentes. a partir dessa situação, foram se organizando os grupos que passaram a discutir a situação e articular ações de intervenção, contando com o apoio das ONGS e outros grupos. Nasceram desta iniciativa as ONGs/AIDS, que começaram a receber as pessoas infectadas para apoio social e psicológico.
Desta forma nasceu o movimento social da AIDS no Brasil, tendo como ações estratégicas principais reivindicar do estado a atenção para o trato da epidemia. Assim deu-se também inicio às ações de ativismo de rua, reivindicações junto ao poder público da saúde por políticas para tratamento, realização de encontros, seminários, congresso de pessoas soropositivas para discutir e propor aos governos as suas necessidades. Criaram-se também a rede nacional de pessoas vivendo com HIV e AIDS que oportunizava encontros para se fortalecerem e enfrentarem sua nova identidade.
O movimento social da AIDS no Brasil veio ao longo dessas duas décadas alcançando cada vez mais força e espaço social para o enfrentamento da AIDS, mas isso ele não conseguiu sozinho. Foi necessário agregar esforços de representação ligados a outros movimentos, como colocados acima. a junção dessas representações fez um somatório que fortaleceu o movimento e que também o beneficia nas reivindicações formalizadas e alcançadas junto ao estado.

5. metodologia

O trabalho terá caráter bibliográfico, ainda que alimentado pela experiência adquirida em pesquisas anteriores, e em pressupostos da nossa dissertação de mestrado.
A fim de direcioná-lo para objetivos mais práticos, tomaremos como hipótese de trabalho a afirmação de que a epidemia da AIDS no Brasil foi parcialmente superada graças às articulações dos vários grupos de participação que funcionaram como movimentos sociais e cobraram do governo federal medidas de solução do problema.




6. objetivos:

6.1 – geral
Determinar os fatores, na sociedade brasileira, nas décadas de 1990 e seguintes, que contribuíram para a solução do grave problema da AIDS.

6.2 – específicos:
1. descrever, do ponto de vista demográfico-social, o problema da AIDS no Brasil, a partir da década de 1990, e a sua gravidade como epidemia.
2. proceder a levantamento dos grupos sociais no cenário nacional que enfrentaram o problema e atuaram como movimentos sociais nas reivindicações junto ao governo federal.
3. analisar a atitude dos governantes brasileiros no enfrentamento ao problema e as medidas tomadas para a sua solução.
4. descrever a situação atual do problema no âmbito nacional e internacional.
5. combater o problema da discriminação e do preconceito contra o indivíduo infectado pela AIDS.
6. sugerir um programa de erradicação definitiva do problema da AIDS na sociedade brasileira.

7. cronograma

no. tarefas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
1 Elaboração do projeto
2 Pesquisa bibliográfica
3 Sondagens da situação
4 Entrevistas com setores da sociedade
5 Novas pesquisas bibliográficas
6 Redação preliminar do texto
7 Correção do texto
8 Redação final
9 Arte final


8. referências bibliográficas

BIBLIOGRAFIA

1- ALTMAN, Dennis (1995) Poder e Comunidade – respostas organizacionais e culturais a AIDS –ABIA, IMS/UERJ, Relume Dumará – Rio de Janeiro.
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6- CAMARGO JR., k R. de, (1994), As Ciências da AIDS& A AIDS das Ciências – Discurso Médico e a Construção da AIDS, ABIA, IMS/UERJ, Relume Dumará – Rio de Janeiro.
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