QUANDO NEGATIVO É MELHOR QUE POSITHIVO -
um estudo sociológico das experiências identitárias
de Pessoas vivendo com HIV?AIDS em Recife.
Capítulo 04
O GÊNERO NA AIDS
O gênero na AIDS é uma discussão que vem sendo bastante polemizada nos espaços sociais. De início, pela predominância da presença masculina configurada nas expressões do homossexualismo e do bissexualismo. Depois, com a aparição da mulher no cenário que, de acordo com alguns estudiosos (Guimarães, 1994, Parker e Galvão, 1996), entrou tardiamente na discussão, sem nunca ter estado fora dela.
Na AIDS, algumas questões predominam quando se trata de discutir o gênero. São primeiro, as que dizem respeito à prática do sexo (que na AIDS tem que ser seguro) com o uso da camisinha, segundo, as que dizem respeito aos parceiros ( a questão do grupo de risco, atualmente já reconfigurada na discussão), e, terceiro, as relações monogâmicas entre as pessoas unidas judicialmente. Melhor dizendo, as relações de aliança .
Este capítulo será dividido em três seções. Na primeira, abordamos os aspectos referentes à vida pessoal e social da mulher soropositiva a partir dos impactos causados pelo vírus HIV. Tomamos como referência de análise os depoimentos do grupo que entrevistamos, buscando identificar tanto o comportamento dos atores ao se descobrirem soropositivos, como as prioridades eleitas para suas vidas a partir dessa nova situação. Na segunda, trataremos dos reflexos produzidos pelo HIV na vida das pessoas de orientações sexuais homossexuais, e de como estes, ao longo dessas duas décadas de AIDS, vêm forçando a sociedade a aceitá-los como uma categoria de gênero socialmente sancionada. Na terceira, buscamos ver como a sexualidade vem sendo tratada, como vem sofrendo o impacto das campanhas e das instruções que são dadas pelos agentes de saúde – médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos – sobre a prática de sexo seguro (que cria antagonismos no erotismo entre os parceiros). Veremos, também, a influência da questão dos grupos de risco, contidas nas propagandas e campanhas dos governos. Buscaremos ver, ainda, como os indivíduos resolvem a questão de gênero nessa nova realidade, e como lidam com as mudanças que sofrem nas suas sexualidades ao receberem o diagnóstico de soropositivos. Em que situações cotidianas foram mais afetadas e como se confrontam no sexo ao ter que usar a camisinha. Tomamos também como referencial de análise os depoimentos do grupo entrevistado.
3.1- A Condição Feminina na AIDS.
A condição da mulher soropositiva vem sendo bastante discutida ao longo dessa segunda década de AIDS. A cada dia aumenta mais o número de mulheres infectadas pelo vírus. Esse fato se explica pela comprovação das relações extraconjugais, configuradas na traição hetero/bissexual. De acordo com o último informativo do Ministério da Saúde, o número de mulheres infectadas, no Brasil já chegou quase ao mesmo nível de igualdade dos homens, de forma que nas duas categorias os dados demonstram o seguinte: em 1983, a razão de casos entre homens e mulheres foi de 17:1, enquanto para o ano de 1997, encontramos 2 casos em homens para 1 caso em mulheres . O que nos leva a concluir que as relações de gênero que permeiam a nossa cultura, essencialmente machista, são de prevalência do poder masculino sobre o feminino, sugerindo não existir negociações do uso da camisinha entre os parceiros para garantia do sexo seguro.
Tal realidade referenda a idéia de que o homem pode naturalmente continuar a ter relações sexuais extraconjugais, enquanto a mulher permanece à mercê dos efeitos que essas condutas poderão trazer à sua vida. Assim, comprova-se cada vez mais o aumento do número de mulheres que através dos seus parceiros fixos contraíram o HIV, com riscos para elas e para os seus filhos. Este fato aponta para a questão da verticalização da AIDS .
A inclusão da mulher na discussão da AIDS, no Brasil, é considerada tardia por diversos estudiosos no assunto. Guimarães (1994), Parker e Galvão (1996), vêm, ao longo desses últimos anos, tentando mostrar que mais uma vez a mulher sofre exclusão pela sua condição de gênero. Segundo estes autores, as políticas públicas de saúde para a mulher soropositiva no Brasil, ainda não são as mais adequadas para atender as necessidades da mulher em suas diversas dimensões sociais e culturais. O que deixa as mulheres expostas a contraírem todo tipo de doenças sexualmente transmissíveis. Ao longo da história, as mulheres sempre pagaram o ônus pelas peripécias sexuais dos homens, o que vem sendo comprovado em várias situações de surtos de epidemias de doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis, a herpes genital, a gonorréia, a candidíase ( Carrara, 1994). De modo que a mulher sempre teve a saúde sob risco, sempre estiveram as voltas com doenças sexualmente transmissíveis, adquiridas através dos seus parceiros.
Com a AIDS, a condição de precariedade na saúde feminina é reconfigurada. A mulher passa mais uma vez a ser exposta às intempéries da vida, em função do comportamento sexual masculino. Segundo Guimarães, “muitos dos fatores que predispuseram as mulheres a terem uma saúde precária no passado, agora aumentam a sua vulnerabilidade à infecção pelo HIV/AIDS, sendo os principais aqueles calcados no relacionamento de gêneros, no status feminino e nas suas condições de vida” (Guimarães, 1994, p. 220).
Sendo o homem suscetível biologicamente a se infectar com o vírus do HIV, a transmissão deste para a mulher é muito mais comum do que da mulher para ele. O que denota que há um desequilíbrio sociológico de forças entre o homem e a mulher, que só agrava sensivelmente a situação das mulheres para o HIV. Isso pode ser deduzido do fato de que a dependência econômica da mulher e a normatização pela sociedade dos padrões comportamentais diferenciados para homens e mulheres, colocam estas duas representações de gênero em situação de desigualdade, com o risco maior e permanente para a mulher. Estamos comprovando esta situação a cada dia pela equiparação do número de infectados: homens e mulheres , com estas quase assumindo a prevalência.
A vulnerabilidade das mulheres em face de tão delicada situação é a prova de denúncia e de necessidade de reversão do quadro. Apesar de no passado a infecção pelo HIV/AIDS ter sido considerada como uma doença da responsabilidade dos homo/bissexuais, dos usuários de drogas e de outros grupos de profissionais do sexo considerados de “alto risco”, é nessa segunda década de Aids que se vê o vírus HIV como uma grave ameaça às mulheres sexualmente ativas, inclusive as que são monogâmicas. Este fato aponta para um reconhecimento social das outras orientações e práticas sexuais, negadas socialmente, mas postas às claras a partir da AIDS .
A partir dos anos 90, a feminização da AIDS tem sido o grande viés discursivo do Movimento Feminista, de organizações não-governamentais e de outros grupos que lutam por políticas públicas de saúde que atendam as mulheres soropositivas em suas necessidades básicas de assistência a saúde ginecológica: prevenção de câncer de colo uterino, de mamas, e tratamentos de doenças sexualmente transmissíveis. Paralelo a isso, busca-se a elaboração de campanhas que esclareçam as mulheres sobre a necessidade de negociações do uso da camisinha com os seus parceiros. Busca-se, também, conscientizar os homens tanto dos seus comportamentos irreverentes para com as mulheres como da necessidade dos mesmos repensar as suas práticas sexuais, como prevenção. Ao que se observa o homem vem se mantendo ao longo dessas duas décadas de HIV/Aids como o senhor todo poderoso de um passado sociocultural que já vai muito distante, mas que permanece intocável, sendo ele o grande veiculador desses desencontros todos (Parker e Galvão, 1996).
O que é notório em toda discussão do comportamento do homem e da mulher, seja na AIDS ou em outra realidade qualquer, é a falta de esclarecimentos da mulher sobre os seus direitos sociais. Ou seja, a mulher ainda não demonstra politização e consciência em relação a todos os abusos que sofre no contexto da dominação de gênero. Isto aponta para a questão social e política da identidade de gênero e para a falta da consciência da cidadania ativa na formação educacional da mulher, em geral.
Observa-se, nesta segunda década de AIDS, que as mulheres estão se aproximando cada vez mais dos homens, mas não como uma conquista resultante das lutas incessantes dos grupos feministas organizados por direitos iguais, e, sim, pelo aumento do percentual de mulheres contaminadas com o HIV/AIDS, o que reforça a frustração da mulher face à perversão do machismo.
No nosso trabalho, num grupo de doze portadores entrevistados tivemos sete heterossexuais, dos quais quatro são do sexo feminino. Observamos que as mulheres infectadas pelos seus companheiros reduzem o problema a um drama existencial, sem colocarem as questões políticas subjacentes. Não registramos nenhuma outra queixa das mesmas contra os homens que as infectaram, que não seja o desabafo e a tristeza. Passados os primeiros impactos de recebimento do diagnóstico, as mulheres retomaram a vida sexual com seus parceiros. Outras cuidaram deles com desvelo até a morte. Foi o que observamos nos casos de Kátia, Clarice e Eugênia, durante as entrevistas. Quando lhes perguntamos sobre o que elas sentiram quando se souberam infectadas pelos seus companheiros responderam:
Kátia: “Quando eu soube? Eu fiquei com raiva, na mesma hora quando eu soube eu fiquei com muita raiva, entendeu como é?....Eu fiquei muitos dias pensando.... pensando.... Mas, depois eu pensei e eu disse: acho que não, aconteceu só. Ele dizia que gostava muito de mim, agente vivia bem, então...Eu na verdade não sei. Eu gostava dele, tinha muito cuidado por ele, só não posso responder da parte dele por mim. Depois que ele se internou eu redobrei os meus cuidados por ele, ia para o hospital, cuidava dele, dava comida na boca dele, tudinho....Ele morreu eu segurando nas mãos dele, entende? Foi isso...”
Clarice: “Eu quando soube chorei muito! Me deu uma angústia tão grande no meu coração, um desespero....Até hoje eu não me conformo mesmo! Fiquei muito desesperada e não me conformo, de jeito nenhum!...Porque ele fez o exame lá em Maceió, tá entendendo? Ai confirmou que ele estava com o vírus, então ele veio embora de vez e não disse nada a mim que tinha feito exame, e eu também não podia saber que eu tava....Quem cuidou dele fui eu mesma...Quem tomou conta dele fui eu né? Fui eu e Deus. Um ano de luta. Pra tudo: hospital, médico, exame para internamento, tudo fui eu...Ninguém me obrigou. Eu tomei conta porque eu achava que era o meu dever de esposa. Era meu dever, ele era o pai dos meus filhos e eu não ia deixar ele com um problema desses abandonado...Como muita gente me disse: tá vendo eu, se fosse tu....ele tava lá com a outra, porque ele não ficou lá com a outra pra ela tomar conta dele? Não, veio simbora, veio simbora pra quem tomar conta? pra tu tomar conta. Tanta mulher que ele teve porque uma delas não toma conta dele?....Não, ninguém me obrigou, eu tomei porque achei que era o meu dever de esposa”.
Eugênia: “Olhe... foi um horror! A gente fica, né? Você não imagina que o outro pode fazer isso com agente, mas ele faz. Fica muito difícil, porque agente passa a ter relações sexuais com o preservativo e existe uma resistência muito grande da pessoa em aceitar.... No meu companheiro..., existe uma resistência muito grande, ele diz que incomoda, por que é que tem de usar isso e tal... Tem preconceitos por ter que usar essas coisas, né?... Fica muito difícil pra mim....Porque eu digo: então não tem!. Se não usar a camisinha, não tem! É difícil! Agente tenta aqui e acolá... Vai dando um jeito....Eu uso a camisinha feminina pra ver se fica melhor, mas ai...É muito difícil tudo isso!”
Observamos nos relatos destas três mulheres que não há uma indignação pelo fato dos seus maridos as terem infectado. Há um sentimento de dor e tristeza ao se comprovarem contaminadas, mas que é sobrepujado pela suas condições de companheiras que se percebem responsáveis por esses homens. Tal comportamento remete à discussão do papel da mulher enquanto mãe de todos, no lar. A mulher não demonstra ter como referência a questão da desigualdade social entre ela e o homem, para, a partir dai estabelecer uma atitude de indignação face ao desrespeito com que é tratada. Assim, o que elas priorizam (e isso pode até funcionar como uma defesa delas mesmas no sentido de não se reconhecerem como traídas e ofendidas), é a dedicação exclusiva aos seus maridos, independente de qualquer outra coisa, e o fato deles as haver infectado não conta nesse momento. Observamos também a predominância da relação de alianças (Knauth, 1996). Isso está bem visível na fala de Clarice quando a mesma enaltece o seu papel de esposa e mãe.
Quanto à outra mulher entrevistada – Yanê, infectada pelo seu noivo, não observamos grandes novidades. Na experiência de Yanê as coisas ficaram num certo anonimato, visto que ela só soube que poderia estar infectada após terminar o seu noivado. Alguns dias depois o seu ex-noivo passou a lhe telefonar dizendo que ela iria morrer de AIDS, fato esse ao qual a mesma não deu importância, como ela mesma relata:
Yanê: “Foi ruim, viu, na época foi horrível...Eu era noiva...Eu acho que eu peguei com ele, meu ex-noivo. Eu era noiva e de repente o noivado acabou, e ele depois do noivado acabado começou a mandar recadinho pra mim dizendo: ah, você vai morrer de Aids, a Aids vai matar você, num sei que mais...Ai logo em seguida, com uns dias começou os problemas na minha saúde....Eu nem quis pensar...não acreditei que o que ele falava fosse verdade..., mas foi né? ...Eu deixei ficar como tava...fazer o quê?, né?...”
O fato dessa mulher não procurar tomar conhecimento do que realmente estava acontecendo, denota a falta de conscientização da cidadania e dos seus direitos sociais. As mulheres estão sempre conciliando as situações, buscando soluções paliativas. Ajudam visivelmente os seus companheiros na superação de determinadas realidades, muitas das quais são de inteira responsabilidade dos mesmos, visto que foram eles que as infectaram como estamos observando na experiência destas portadoras.
No material pesquisado, observamos, também, que as mulheres portadoras elegem prioridades em função da suas vidas domésticas e da necessidade de dedicar maior tempo aos filhos e ao lar. Foi o que observamos em Clarice, Kátia e Eugênia, quando lhes perguntamos sobre o que é mais importante para elas após o HIV/Aids:
Clarice: “Olhe, hoje eu queria poder voltar a viver bem a minha vida, ter uma casa só pra mim, ter um companheiro. Mas, eu penso mesmo é nas minhas filhas. Fico preocupada com a vida das minhas filhas, da minha netinha. Tenho medo que elas peguem essa maldita doença. Eu sempre procuro alertar elas. Eu digo pra ela, a mais velha: olhe minha filha, você se cuide. Não vá transar com ele (o marido da filha) sem usar a camisinha, não. Sinto-me sem apoio, não tenho aconchego de ninguém, nem carinho, é muito ruim isso. Eu quero ver os meus filhos felizes” .
Eugênia: “Ooooolhe! É a família. Eu procuro cuidar mais de minha família, dar mais segurança pra eles. Cuidar da minha família....Ver os meus filhos se formar, cada um concluir o curso que começou, fazer outros, ver o meu filho que teve aquele problema que eu lhe falei (o filho tentou o suicídio quando soube que ela estava com Aids), muito bem. Mas a minha preocupação mesmo...., assim... é com relação a segurança da minha família. É o que acho mais importante, é a minha família. Que essa preocupação já existia antes do HIV, né? Mas agora ela fica sendo ainda mais forte, mais importante, porque é a questão da segurança...”
Kátia: “Olhe, o que eu tinha de viver eu já vivi, já sofri, já me diverti, já passeei, eu já fiz tudo. Agora, o restinho da vida que eu tenho eu quero curtir muito os meus dois filhos. O que eu quero é poder dar o melhor pra eles. O que eu tiver eu vou dar. Vou andar, lutar pra conseguir algumas coisas mais, vou ver se fico recebendo uma Sexta básica que é distribuída aqui. Eu vou lutar, e enquanto eu puder batalhar pra dar à eles uma vida melhor eu vou fazer isso. É o meu sonho cumprir a minha obrigação de cuidar deles até quando eu puder.”
Nesses recortes, observamos como são pertinentes para a identidade feminina as prioridades eleitas pelas mulheres a partir das suas condições de portadoras. Conscientes do fato de que a realidade da AIDS desnuda a intimidade, e lhes põe sob a iminência da morte, (Paiva, 1992) as mulheres reforçam atitudes tradicionais de “donas de casa”, voltando-se para os outros com os quais convivem: amar e cuidar acima de qualquer coisa dos filhos e companheiros. Essa atitude de reforço de antigos padrões passa a ser a solução mais imediata e coerente para elas. Nas produções literárias sobre o assunto, trazidas ao público leitor nessas duas últimas décadas de epidemia de Aids (Ferreira, 1994, Camargo, 1994, Paiva, 1992), encontramos uma infinidade de relatos de como as mulheres repensam suas vivências cotidianas, como fazem seus planos para um futuro que lhes é incerto, e como elegem suas famílias como prioridades. Para tanto, suas vidas pessoais e sociais são pensadas sempre tendo a família como o centro principal das atenções, especialmente os filhos, como observamos nos depoimentos acima.
A condição feminina na AIDS não mudou a sua face, mesmo a mulher se aproximando sempre mais do homem pela infecção, como nos mostram cada vez mais as pesquisas. Segundo o que vem sendo discutido ao longo dessa segunda década da epidemia por certos autores (Parker e Galvão, 1996; Guimarães, 1992; Barbosa e Villela, 1996), a questão da Aids tem sido encarada, pelo menos no imaginário social, como um fenômeno masculino. O que pode ser explicado pelo fato do homem ter sido chamado primeiro à discussão pela questão dos grupos de risco: os homossexuais masculinos. A imagem de promiscuidade e transgressão passada por este grupo tendia a reforçar intensamente as noções populares acerca da sexualidade masculina (Parker e Galvão, 1996).
A relação entre as mulheres e o HIV/AIDS é envolvida por um silêncio marcante na sociedade brasileira. Os agentes sociais (das OGs e ONGs) que atuam nessa questão da AIDS (Parker e Galvão, 1996) encontram muitas dificuldades para quebrar este padrão. Entre alguns fatores apontados para explicar o silêncio feminino, está o relacionado às campanhas e propagandas governamentais, que sempre visaram o estímulo da prática da prevenção para o sexo seguro por parte do homem. Nestas campanhas, as mulheres permaneceram como o símbolo da representação sexual que ameaçava a invulnerabilidade masculina. Mulheres de rostos belos e corpos esculturais simbolizavam o risco do homem contrair a infecção caso transasse com elas, como anunciava a propaganda: “Quem Vê Cara Não Vê AIDS” . O silencio feminino na AIDS aponta para a existência na cultura brasileira de representações sociais fundamentadas em juízos de valores diferenciados para homens e mulheres. Isto contribui para que determinados atributos morais sofram uma classificação de gênero, sendo uns delegados à masculinidade e outros, à feminilidade, o que influi nos processos formadores da identidade.
3.2- AIDS: a questão dos “diferentes”
O gênero, na AIDS, faz emergir a discussão sobre a questão social e normativa referente à prevenção e tratamento, o que foi devidamente codificada e sancionada pelo Center for Disease Control – CDC. Este tomou como referência a fisiologia do homem, especialmente o do Primeiro Mundo (Guimarães, 1992), para diagnosticar e elaborar tratamentos para a AIDS. Essa normatização científica classificou o gênero em três categorias: heterossexual, homossexual, e bissexual, sendo esses os termos oficiais usados para o uso clínico na ciência médica. Essa classificação apenas viria a ser conhecida nos países de Terceiro Mundo, entre eles o Brasil, a partir da década de 70. Tal classificação funcionou como um elemento de grande significação para a identidade gay, em luta pelo reconhecimento institucional da sua categoria.
Ao que tudo indica, essa forma de reclassificação das categorias de gênero favorece as diferentes orientações sexuais, abrindo espaço para o reconhecimento político e institucional do homossexualismo como nova identidade de gênero. Observa-se que apesar da intolerância social que os gays (masculinos e femininos) vêm sofrendo por possuírem orientações sexuais diferentes daquelas canonizadas pela tradição machista, a luta pelo reconhecimento avança. Os impasses iniciais causados pela atribuição da responsabilidade pelo surgimento da Aids aos gays, só vieram fortalecer a luta dos mesmos por um “lugar ao sol”.
Na experiência da AIDS, o gênero – por ser uma categoria extremamente demarcada culturalmente – faz diferença social entre os indivíduos. A relação de causalidade estabelecida entre a AIDS e os homossexuais masculinos, responsabilizados pelo surgimento do HIV e classificados como “Grupo de Risco” pela ciência da medicina, gerou evidente mal-estar. O gênero passou, em função disso, a ser redescutido na mídia, resultando no fortalecimento político da categoria dos homossexuais, que já viviam em luta acirrada pelo reconhecimento social da identidade “Gay” com os poderes públicos nos EUA, na Europa, e, também, no Brasil.
Nesse clima, fica notório que a AIDS ao ser definido, numa primeira instância, como uma peste trazida pelos gays masculinos, favoreceu uma maior abertura para que essa categoria se represente e milite na esfera pública, superando a repressão sexual do passado. (Daniel e Parker 1991, Altman, 1995, Rotello, 1997).
No debate da questão do gênero não se pode mais ignorar certas questões: orientações sexuais diferentes, o exercício de outras práticas do sexo, o reordenamento das relações afetivas. As representações tradicionais de gênero fundadas no heterossexualismo parecem insuficientes para evitar o estabelecimento de novas representações que introduzem o imaginário do homossexualismo.
No grupo que entrevistamos tivemos quatro portadores representando a identidade homossexual: Jemerson, Giovanni, Vanessa, e Olímpio. Desses quatro, três não tiveram nenhuma dificuldade em reconhecerem a sua identidade homossexual e em expressarem os seus desejos de (re) organizarem as suas vidas sociais e afetivas para o futuro, almejando, ao lado um companheiro. Como eles próprios disseram:
Giovanni: “Eu estava com dez anos de idade quando eu comecei a pegar as revistas do meu irmão mais velho, revista de homem com homem, homem com mulher, e eu olhava e eu achava os homens nus e as mulheres nuas lindas, e sempre achei interessante no homem... é... a forma do corpo, assim todo cabeludo, barba, bigode, aquele jeito assim..., mexia muito comigo. Atraía-me, desde pequeno me atraía, mas eu achava que aquilo ali era feio, não podia fazer, não podia pensar, e me atrapalhou muito isso... quando eu vim descobrir que eu era homossexual mesmo, eu já tinha 22 anos, quando eu saí do quartel. Foi que eu vim descobrir que eu era homossexual, já depois de adulto.... Hoje eu penso em duas coisas para o meu futuro: a cura da Aids, e encontrar um companheiro, uma pessoa legal, que me ame e eu possa amar, é importante ter um amor pra ser feliz....”
Olimpio: “É porque eu..., eu, eu..., quando eu era garoto eu... eu tinha um relacionamento já desde criança com pessoas do mesmo sexo, certo? Isso foi proliferando, e hoje isso se tornou mais aberto, mais claro pra mim....Eu sou homossexual, é assim que eu me identifico: homossexual mesmo!... eu tenho um sentimento feminino dentro de mim... O mais importante nessa nova fase da minha vida é ter um lar que é o que eu preciso, e ter alguém pra poder me ajudar nos meus momentos de sofrimentos... um companheiro. Isso eu considero mais importante: é um lar, é alguém pra compartilhar um pouco da minha vida, cuidar da minha saúde e ser muito feliz junto dele, né?”
Vanessa: “Eu sou travesti, fui profissional do sexo por muitos anos. De 81 a 92, onze anos, onde eu conseguia me realizar, foi onde eu consegui me realizar mesmo! (risos). Eu me realizei de três formas: Eu consegui me realizar financeiramente, amorosamente, que eu era muito frustrada no sexo, e eu passei....a partir dessa nova profissão eu passei a me realizar demais, como eu queria....Eu não fui ser travesti por opção, porque tem pessoas que vai ser travesti pra sobreviver...Mas eu não optei por ser travesti, eu já nasci com tendências femininas...Eu tinha fantasias, eu queria ter um namorado, eu queria andar de braços dados pelo meio da rua, de mãos dadas, eu queria ir no cinema, na boate, eu queria ser e poder viver como um travesti! Eu quero continuar assim, como eu sou: a lua! Encantando todo mundo, como a música diz. Amar e ser amada, namorar, ter um companheiro, como eu já tenho, né? que me ame muito, e eu a ele, claro...”
Observamos que esses depoimentos apontam para o fato de que a identidade gay emerge na sociedade como uma realidade definida, que se impõe como algo incontestável. Ao se autodenominarem “gay” os indivíduos desejam mostrar tanto suas liberdades de expressão como a libertação dos interditos de uma moral social e sexual repressora, herdada dos séculos passados. Encontramos respaldo para essa análise em Foucault: “Há dezenas de anos que nós só falamos de sexo fazendo pose: consciência de desafiar a ordem estabelecida, tom de voz que demonstra saber que se é subversivo, ardor em conjurar o presente e aclamar um futuro para cujo apressamento se pensa contribuir” (Foucault, 1997, p. 12). Momento decisivo na organização do movimento gay ocorreu quando milhares destes invadiram as ruas de Nova Iork nos EUA, no final da década de 60 , dando o grito de independência dos gays com relação à tradição da heterossexualidade. Partindo para o confronto com as outras identidades de gênero, os gays lutaram por assumirem as suas identidades, constituindo uma orientação sexual diferente, mas politicamente legitimada.
Anthony Giddens (1992) considera esse fato como um reflorescimento da homossexualidade, visto que o mesmo é um processo real de conseqüências importantes para a sexualidade. A autodeterminação gay, segundo o autor, “... representa um exemplo reflexivo em que um fenômeno social pode ser apropriado e transformado através do compromisso coletivo”. Prosseguindo, o autor diz que: “Se definir como gay sugere um colorido, abertura, legitimidade, um grito muito diferente da imagem da homossexualidade antes sustentada por muito homossexuais praticantes, assim como pela maioria dos ‘indivíduos’ heterossexuais” (Giddens, 1992, p. 23). Nessa forma de se declarar a condição de gay, está subjacente o significante identitário de gênero. Segundo Giddens, nesse ato de autoproclamar-se gay, o indivíduo está proclamando o seu eu, a sua existência. Assim, através dessa liberação, os indivíduos gays tornam-se mais livres, abrindo a sexualidade para muitos outros propósitos.
Na era da AIDS, o gênero vem sendo tomado para discussão pelo fato do vírus causar fortes impactos sociais e morais, desvelando a intimidade dos sujeitos, e trazendo à luz determinadas práticas de vida que ao serem postas as claras forçaram a sociedade a um repensar dos seus princípios éticos, morais e culturais. De acordo com Parker e Galvão, (1996), Guimarães, (1992), e Carrara, (1994), o fenômeno da epidemia da AIDS remodela os modos da sociedade moderna pensar as suas normas e valores sociais, em particular a questão do gênero. A face masculina e feminina não é mais tratada como o foram em outras experiências de epidemias de teor semelhante.
Em função do reconhecimento cultural da homossexualidade no ocidente, o aumento do turismo sexual feito entre países do primeiro mundo e do terceiro mundo possibilitou maior integração do movimento gay. Isto inibiu por certo tempo a atenção que o movimento feminista dedicava ao poder masculino (Altman, 1995). Na história do imaginário social da AIDS, a questão feminina ficou escondida por muito tempo, só vindo a ser colocada na metade da primeira década da AIDS – 84-85 – ao serem identificados os bissexuais como uma categoria significativamente responsável por transmitir a infecção. A partir daí a questão da mulher portadora passou a ser discutida, principalmente no caso do Brasil (Guimarães, 1992).
Portanto, nesse intrincado fenômeno discursivo da epidemia da AIDS, começamos a perceber o delineamento de uma nova configuração para a questão do gênero. Consideramos importante reforçar nesse debate, os impactos sociais e morais causados pelo vírus do HIV sobre as representações de gênero da cidadania. Estes impactos favoreceram os homossexuais e os estimularam a se inserirem e se representarem na sociedade como uma categoria de gênero, ocupando um território há tanto tempo almejado (Rotello, 1997) .
Ao que tudo indica os preconceitos e a discriminação existente entre as categorias de gênero masculino e feminino e os homossexuais se remodela ao longo da experiência da AIDS. No grupo pesquisado, essa questão pode ser comprovada nas falas dos nossos entrevistados. Perguntados se achavam ter havido grupos de risco para o surgimento do HIV/AIDS, nove entre os doze do grupo de portadores entrevistados, (Germano, Clarice, Marcelino, Eugênia, Yanê, Vanessa, Alcides, Olimpio, e kátia) disseram não acreditar nesta hipótese. Para eles, riscos para se contaminar sempre houve, discordando que tenha sido apenas um único grupo – os homossexuais – os responsáveis pela AIDS, como pode ser observado nas seguintes falas:
Clarice: “Grupo de risco? Olhe..., eu acho que teve grupo de risco pra todo mundo, não foi só pra os homossexuais, ah! Isso eu não acreditei mesmo!”
Marcelino: “... No meu ponto de vista teve e ainda há grupos de risco. Mas eu acho que esses grupos de risco não é somente os homossexuais não. Eu sou do ponto de vista que eles já botaram isso de grupos de risco pra discriminar..., isso pra mim foi pra discriminar...”
Eugênia: “Grupo de risco é todo mundo, não é só os homossexuais. Qualquer um que pratique o sexo que não seja seguro foi e é ainda grupo de risco, né? Eu acho assim...”
Yanê: “Grupos de risco tem em todo mundo, são qualquer pessoa que usa droga, ou faz qualquer outra coisa, não usa a camisinha, é grupo de risco. Agora essa de ser só homossexuais, não é não, não é justo, é discriminação...”
Alcides: “Eu não acredito que era só de homossexual, não. É de todos, foi sempre de todos, a AIDS”
Kátia: “Sim, eu sei, se foi dos gays, não é? Olhe, eu acho que não... Eu acho que não tem essa de grupo de risco não, o risco é pra qualquer um, eu vejo assim entendeu?”
Percebe-se nesses depoimentos a existência explícita de solidariedade dos portadores para com as pessoas de orientações sexuais diferentes. Ao atribuírem a responsabilidade pela AIDS a toda a sociedade, eles conseguem fazer da diferença um elemento importante para a fixação de novas identidades.
3.3- As Sexualidades Colonizadas na Aids.
O termo “sexualidades colonizadas”, nos modos como estamos nos referindo aqui busca definir as formas do sexo ser tratado, pelas políticas da saúde, particularmente nos programas para tratamento e prevenção ao longo dessas duas décadas de AIDS. Ao ser diagnosticada em primeira instância como uma doença originada primeiramente da prática sexual – nos homossexuais masculinos –, a ciência da medicina tratou de estabelecer a partir da epidemia uma codificação ética e moral diversa para a prática do sexo. A partir desta codificação, a camisinha passou a ser a “super-star” no processo, garantindo com a prática do sexo seguro a segurança da não-infecção, em quase 100% dos usuários.
A teoria do sexo seguro se originou em primeira mão dos grupos gays norte-americanos como medida preventiva do grupo contra a AIDS. Foi, seguidamente, indicada como o método preventivo, por excelência, contra a epidemia, pela Organização Mundial de Saúde – OMS, devendo ser adotado por todos os países. Apesar de não se considerarem os responsáveis pelo fenômeno, como quiseram fazer crer os cientistas da medicina, os homossexuais masculinos concordaram com a idéia de tomar precauções, visto que muitos gays estavam morrendo inesperadamente não somente nos EUA, o que demonstrava a gravidade do fato (Rotello, 1997, Altman, 1995). Assim, os gays masculinos logo fizeram uso dos preservativos para não se infectarem com o vírus, divulgando no seu meio social a urgência de mudança de hábito das práticas sexuais, como medida de prevenção para o sexo seguro. “Usando a camisinha não se pega AIDS” (Rotello, 1997). Este autor é do pensamento de que mesmo considerando a orientação de sexo seguro com o uso da camisinha como uma medida discriminatória dos grupos antigays, os homossexuais viram nisso uma saída para se protegerem e não pegar AIDS.
Para Rotello (1997), os que procuravam criar a teoria do sexo seguro, os "antigays" , quase que se apropriaram da Aids como simbolismo para responsabilizar os homossexuais masculinos (gays) pelo fenômeno. De acordo com ele, o primeiro conselho explícito sobre a prevenção da AIDS apareceu em 1982, na forma de panfletos e circulares, publicados por um grupo de médicos, gays e lésbicas de São Francisco. “Os Médicos da Bay Area por Direitos Humanos pelos cidadãos de Houston, pela Igualdade Humana e pela Crise na Saúde dos Gays de Nova Iorque”. (Rotello, 1997, p 120). Este material enfatizava que a redução de parceiros deveria ser uma estratégia adotada para evitar a infecção. A circular foi distribuída pela Crise na Saúde dos Gays. Segundo Rotello, “... quanto menos parceiros diferentes, menor é seu risco de pegar uma doença...” “Além da redução de parceiros, os gays eram encorajados a ‘reconhecer’ seus parceiros e a examinar um o corpo do outro antes de praticar sexo, procurando evidencias de lesões e gânglios inchados, pois se presumia que a infecção produzia sinais visíveis”. (Rotello, 1997, p 121)
Estas foram as primeiras medidas de colonização da prática sexual no contexto da AIDS. Seguidamente, a partir da necessidade de estabelecer medidas para tratamento e prevenção, surgiram as propagandas na TV, as campanhas para prevenção, a distribuição de panfletos e de preservativos pelos órgãos públicos de saúde. Divulgaram-se notas em jornais e revistas de circulação semanal e outros mais, advertindo quanto a esse risco.
A experiência da AIDS impôs uma redefinição na identidade de gênero em relação ao gerenciamento da identidade sexual. Fazia-se necessário conhecer, investigar, monitorar o outro com quem se estava identificando eroticamente, a fim de se manter ou não relações sexuais. Isso a partir de um diagnóstico de infecção revelando que o contágio se deu no sexo. Pensar em outras conquistas, em amores com paixão e erotismo, passou a ser uma experiência bastante dolorosa tanto para as pessoas que estavam soropositivos quanto para as que já estavam com Aids. Questões relativas ao desejo sexual pelo outro, a pensar eroticamente o outro, e fazer o sexo, passaram a serem questões do domínio público. O outro, o ser erotizado objeto das fantasias e do desejo sexual, passou a ser tratado como o representante do perigo da morte iminente, porque a “Aids Mata”, era o que diziam as notícias veiculadas pela mídia.
Assim, no plano da conquista da vida erótica, aquele que inspirava o amor e as fantasias eróticas, passou a ser apresentado como “estranho” contra quem tinha de se prevenir mantendo-se cuidadoso nos mínimos detalhes. De forma que, quando o assunto era transar, viver o erotismo, a palavra de ordem era: cuidado com o outro! O perigo está muito próximo de você, pode estar na sua cama. De acordo com Rotello (1997), isto gerou preconceito e discriminação. A AIDS desnudou a intimidade, tornou a sexualidade um problema de saúde pública, devendo a partir de o seu surgimento ser resolvido na esfera pública. Esse problema resultou no desalento das pessoas quanto as expectativas de vida amorosa, plena e feliz. Os portadores foram vendo surgir medidas de prevenção, que foram se configurando em atitudes de colonização da vida intima, com indicações para o modo de como transar, com quem, e de que modo transar.
Em face de tal colonização da vida pessoal, os portadores, em determinados estágios da condição de saúde – pela sua carga viral, ou seu CD4 muito baixo, e ainda pelo próprio cuidado com o outro (portador, ou não) –, começam a não querer dar prosseguimento ao exercício da sua sexualidade, o que se agrava muito mais quando a contaminação ocorre através do sexo. E, quando isso decorre de uma traição conjugal, a situação de desolação e negação, ou de desinteresse pelo sexo, é cada vez mais acentuada.
O desejo de ter uma vida sexual normal, intensa, com grandes momentos de prazer, de alegria perde o seu encanto e colorido, pois o medo de contaminar o outro, ou de se reinfectar é muito presente no imaginário do portador. Apesar de já se estar no final da segunda década de AIDS, o uso da camisinha ainda não faz parte do imaginário erótico coletivo. De forma que as mulheres sentem dificuldades em negociar com os seus parceiros o uso do preservativo, e os parceiros ainda não aceitam a possibilidade de ter que usá-lo, o que geralmente vem dificultando a vida sexual dos casais. Observa-se que as orientações que são dadas por médicos e agentes de saúde não alcançam o seu objetivo satisfatoriamente, visto que as mesmas são pensadas para o monitoramento das sexualidades alheias apenas com uma intenção: evitar a infecção e a reinfecção. Ao se propor o sexo seguro, a idéia que vem subjacente é a de que o mesmo tem de ser praticado com racionalidade, sem prerrogativas para as fantasias e o imaginário erótico que estimulam o desejo de fazer sexo.
A questão da colonização da sexualidade pode ser observada no quadro a seguir, através dos indicadores que tratam dos modos como as pessoas vêem suas vidas sexuais na condição de portadores do HIV/AIDS. Esses indicadores revelam os efeitos que essa nova condição causa nas vidas do homem e da mulher, no modo como respondem aos efeitos causados pela infecção, nas mudanças que eles observaram na sexualidade, se houve ou não continuidade em suas vidas sexuais:
Quadro 3
Efeitos do HIV/AIDS na Sexualidade dos Portadores
Portadores Indicador 1 - Como o homem e a mulher vêem a Sexualidade no HIV . Indicador 2- Efeitos do HIV na Sexualidade: homem e mulher.
Germano O homem reage diferente da mulher. Não teve nenhum problema.
Jamerson A mulher vê igual ao homem. Anulou a minha vida Sexual.
Clarice O homem aceita igual à mulher. A minha vida sexual esfriou; fiquei fria.
Bernardo Homens e mulheres vêem sob a mesma condição. Alterou muito minha vida Sexual.
Marcelino A mulher vê diferente do homem: ela é vítima. Alterou demais a minha vida sexual.
Giovanni É diferente: a mulher é vítima. Mudou demais a minha vida sexual.
Eugênia Vê diferente. A mulher fica se culpando. Alterou muito a minha vida sexual.
Yanê É a mesma coisa. É uma dificuldade só pra os dois. Muda o sexo: a gente tem que se prevenir.
Vanessa O homem vê diferente da mulher, ele é mais ativo. Mexeu demais com a minha vida sexual.
Alcides Não sei bem, mas acho que é diferente. Não teve nenhum problema para mim.
Olímpio Eu acredito que todos vêem do mesmo jeito. Tive que parar a minha vida sexual.
Kátia Eu acho que é a mesma coisa; os dois vêem do mesmo modo. Parei de fazer sexo para não contaminar os outros.
Fonte: Pesquisa Aids, Gênero, Exclusão- na redefinição da Identidades dos portadores, com base nos depoimentos dos entrevistados.
Neste quadro, vemos que os efeitos do HIV/AIDS na vida dos portadores causam reações comportamentais bastante desanimadoras na vida sexual. No indicador número um, as opiniões sobre os modos de homens e mulheres verem o sexo após a infecção, as opiniões se dividem proporcionalmente. De forma que uma metade dos entrevistados Jamerson, Clarice, Bernardo, Yanê, Olimpio, e Kátia é da opinião que o homem e mulher vêem o sexo de modo igual depois do HIV/Aids: A outra metade: Germano, Marcelino, Giovanni, Eugênia, Vanessa, e Alcides, é da opinião de que o homem e a mulher vêem de modo diferente. Entre estes últimos, chamam a nossa atenção os depoimentos de Eugênia, Marcelino, e Giovanni, pelo fato dos três justificarem a sua opinião sob a alegação de que a mulher é vítima.
Observando o segundo indicador, vemos que dez dos portadores entrevistados se queixaram dos efeitos que o vírus causou em suas vidas sexuais. Como já discutimos acima, a perda do contato com a sexualidade, com as fantasias eróticas, cria um sentimento de vazio e de inutilidade muito grande na vida dos portadores. Porém, esses efeitos não perduram para sempre. Superados os impactos iniciais ao recebimento do diagnóstico, quando os portadores já se encontram mais restabelecidos, o desejo de retomar as suas vivências sexuais reacende o que significa dizer que as pessoas estão retomando as suas vidas.
A consciência da sexualidade não deixa de existir porque as pessoas pegam AIDS. Por certo que todos passam por situações desgastantes em face de essa realidade, com muitas inquietações, com receios de que não voltarão mais a fazer o sexo como vemos no quadro acima. Porém, a partir da superação dos primeiros efeitos, como já citamos anteriormente, o desejo volta às fantasias eróticas também. As pessoas procuram dar continuidade à sexualidade “sadia”, nos limites do que esse desejo possa significar para alguém que conhece os riscos da infecção.
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