sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

CARTA PÚBLICA



Carta ...

Após décadas de lutas e enfrentamento da AIDS no mundo, a sociedade tem estado mais atenta e consciente sobre o impacto desta epidemia. Os novos tratamentos proporcionam melhores condições de vida e muitas esperanças para os que vivem com HIV/AIDS. Mas a AIDS continua se alastrando e o preconceito, a exclusão e a violação aos direitos destas pessoas também.
Neste cenário de ameaças às garantias aos direitos das pessoas vivendo com HIV/Aids, a Articulação Aids em Pernambuco se sente na obrigação de levar ao conhecimento dos meios de comunicação e a sociedade a situação gravíssima que a política de AIDS se encontra em Pernambuco. No entendimento de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme definido na Constituição Federal de 1988.
Dessa forma, a Articulação Aids em Pernambuco, tem constatado de maneira perplexa a situação dos serviços em Pernambuco. Podemos ilustrar esse contexto com a situação do CTA do Recife, que, alegando falta de recursos humanos, têm apresentado graves falhas no atendimento a quem o procura. Neste serviço, o número de testes disponibilizados é insuficiente (são realizados quinze testes por dia), sobremaneira na capital do estado que apresenta o maior número de casos do Nordeste. O CTA também apresenta deficiências para o teste VDRL, para sífilis, outras IST para a qual Pernambuco apresenta índices graves e preocupantes. Temos cotidianamente enfrentado a falta de medicação antirretroviral, e para as doenças oportunistas nas unidades e hospitais de referência no Estado. Além disso, nos últimos meses vivemos a inusitada situação de distribuição de medicamentos vencidos, numa flagrante violação de direitos humanos. Nos indigna também, o racionamento e muitas vezes a falta de leite para as crianças filhas de mulheres com a sorologia positiva para o HIV, quando esse direito está garantido por lei, no entanto não tem sido respeitado. Em todo o Estado, as pessoas que necessitam dos exames de CD-4 e Carga Viral enfrentam dificuldades para realizá-los e essa situação se agrava ainda mais no interior do Estado. A assistência às pessoas vivendo com HIV expõe sua deficiência também quando da ausência de leitos para internamento e de especialidades médicas como cardiologistas, proctologistas, ginecologistas, neurologistas, odontologistas, entre outros, tão necessários para o acompanhamento da saúde das pessoas que vivem com HIV e AIDS.  Diante do acima exposto e num cenário nacional de desmonte do Sistema único de Saúde (SUS), quando da aprovação da PEC 241 – 55 (Câmara dos Deputados e Senado) que agravará toda essa situação a partir do congelamento dos investimentos em saúde e educação, Apesar dos constantes diálogos, o governo de Pernambuco não nos dá uma resposta às questões acima colocadas. 

Bibliografia:
Carta feita para ser entregue em Ato Público da
Articulação AIDS PE

  



           

"SOU FEITA DE RETALHOS"

Sou feita de retalhos.

Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma.
Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.
Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior...
Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade...
Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa.

E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também.
E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados...
Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.

Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim. Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias.

E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de "nós".











quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

POEMINHA






Ninguém me habita





Ninguém me habita. A não ser
o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.
Ninguém me habita. Sozinho
resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiuras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.

(Thiago de Mello)











quarta-feira, 5 de abril de 2017

Para Maria da Graça



PARA MARIA DA GRAÇA





(Paulo Mendes Campos)



    Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.

     Este livro é doido, Maria, isto é: o sentido dele está em ti.

     Escuta: se descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da liberdade.

     A realidade, Maria, é louca.

     Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?”

     Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou para pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como em teus ossos, mas forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.

      A sozinhez (esquece esta palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de está sozinha aqui”. O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, fechar uma porta bem aberta.

       Somos tão bobos, Maria. Praticamente uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, as pessoas comem bolo.

       Maria há uma sabedoria social ou de bolso, nem toda sabedoria tem de ser grave.

       A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir perdão 7 vezes ao dia: “I beg yuor pardon!” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto-de-vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice:: “gostarias de gato se fosse eu?”

       Os homens vivem apostando corridas, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas que, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo o que não é tão ridícula muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “a corrida se a gente não vai saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupes a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se  chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.

       Disse o ratinho: “Minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”.      

       Ora como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida. Foge polida, mas energicamente, dos homens e mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens, uns chatos irremediáveis, Maria.

        Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Ao contrário do que se pensam os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra  depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepare-te para a visita do monstro e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo”. Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.

         Escuta esta parábola perfeita: Alice tinha encolhido tanto de tamanho que tomou um camundongo como hipopótamo. Isso acontece muito, mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada, que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçados de camundongos. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre cômico, nunca devemos perder o bom humor.

         Toda pessoa deve Ter três caixas para guardar humor, uma caixa média que a gente precisa Ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos, em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos uma droga ou muito bacanas. Cuidado com as grandes ocasiões!

          Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por “isso, Alice depois de ter chorado uma lagoa, pensava: agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”.

         Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida. É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor.