sexta-feira, 30 de março de 2012

AFETIVIDADE

PRÍNCIPE E RAPOSA: UM DIÁLOGO INESQUECIVEL

Este é um dos textos mais apaixonante e sensível que eu já vi em toda a minha vida. A conversa da Raposa com o Pequeno Príncipe nesse relato do Saint Exupéry é uma verdadeira apologia ao que se pode instaurar como o começo de uma amizade verdadeira e perene. O pequeno Príncipe, vindo de outra galáxia e totalmente surpreendido e abismado com a cultura da vida no planeta terra, a partir de cada identidade que ele foi encontrando ao longo da sua inserção no planeta terra, e ainda surpreso com uma flor linda, porém caprichosa e vaidosa, como era a rosa que ele conheceu e cultivou, chega à terra e se depara não apenas com uma espécie, mais um verdadeiro jardim só delas, todas as espécies e cores diferentes, ai ele se sente enganado, decepcionado com aquela flor mentirosa que para ele era a única e que agora lhe aparecia em profusão naquele lugar tão árido e inóspito como estava lhe parecendo o planeta terra. Na busca de alguém para lhe explicar o que estava acontecendo com ele, com a sua rosa e com tantas outras incoerências humanas que ele estava vendo, termina por se encontra com um animal selvagem, que se alimentava de outros animais domesticados e estabelece um diálogo, inusitado, tratando do ato de se cativar alguém para se ter uma amizade sincera, duradoura e verdadeira. A Raposa, por ser um animal nada considerado pelos homens, seres racionais, até porque ela se alimenta da criação desses: as galinhas, mas que por esse desafeto ele se sente profundamente solitária joga sobre o Pequeno Príncipe toda a sua desilusão e decepção com aqueles homens que só a tratam mal a deixando em verdadeiro abandono, e Ela se lança nesse diálogo, estabelecendo uma comunhão de grande sensibilidade, afetividade e carinho com aquele ser extraterrestre, e fica definitivamente cativada por ele.
Eis a conversa:
RAPOSA
Bom dia!
Pequeno Príncipe
Bom dia!
RAPOSA
Eu estou aqui.
P. P.
Quem és tu? Tu és bem bonita...
RAPOSA
Sou uma raposa.
P. P.
Vem brincar comigo. Estou tão triste...
RAPOSA
Eu não posso brincar contigo. Não me cativaram ainda.
P. P.
Ah! Desculpa. Que quer dizer "cativar"?

RAPOSA
Tu não és daqui. Que procuras?
P. P.
Procuro os homens. Que quer dizer "cativar"?
RAPOSA
Os homens têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
P. P.
Não. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
RAPOSA
É uma coisa muito esquecida. Significa "criar laços".
P. P.
Criar laços?
RAPOSA
Exatamente. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
P. P.
Começo a compreender. Existe uma flor... Eu creio que ela me cativou...
RAPOSA
É possível. Vê-se tanta coisa na Terra...
P. P.
Oh! Não foi na Terra.
RAPOSA
(Intrigada) Num outro planeta?
P. P.
Sim.
RAPOSA
Há caçadores neste planeta?
P. P.
Não.
RAPOSA
Que bom! E galinhas?
P. P.
Também não.
RAPOSA
Nada é perfeito. Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram de coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo... Por favor... Cativa-me!
P. P.
Bem quisera, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
RAPOSA
A gente só conhece bem as coisas que cativou. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
P. P.
Que é preciso fazer?
RAPOSA
É preciso ser paciente. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto... Será melhor voltares à mesma hora. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ficar feliz. Quanto à hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.
P. P.
Que é um rito?
RAPOSA
É uma coisa muito esquecida também. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas.
P. P.
Agora eu vou embora.
RAPOSA
Ah! Eu vou chorar.
P. P.
A culpa é tua. Eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
RAPOSA
Quis.
P. P.
Mas tu vais chorar!
RAPOSA
Vou.
P. P.
Então, não sais lucrando nada!
RAPOSA
Eu lucro, por causa da cor do trigo. Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo. O príncipe vai até as rosas
P. P.
Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo. (As rosas ficam desapontadas) Sois belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa. O príncipe volta à raposa e diz: Adeus.
RAPOSA
Adeus. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
P. P.
O essencial é invisível para os olhos... Só vemos bem com o coração!
RAPOSA
Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez a tua rosa tão importante.
P. P.
Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa...
RAPOSA
Os homens esquecem essa verdade. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...
P. P.
Eu sou responsável pela minha rosa...
Sendo profundamente enriquecido nesse diálogo o Príncipe prossegue na sua jornada de conhecer mais o planeta terra, e deixa a Raposa sozinha, mas não é a mesma Raposa que fica ali. Ela agora é um ser cativado, que se apaixonou por um amigo muito especial, a quem ela pôde ser útil, definindo conceitos acerca das relações sociais entre os sujeitos e do significado de se saber ser mais com outros, mesmo quando existem tantas diferenças entre os seres.
Bibliografia: