terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Reflexividade





O POEMA DA SEMELHANTE

O Deus da parecença
Que nos costura em igualdade
Que nos papel-carboniza
Que nos populariza
Que nos banaliza
Por baixo e por dentro,
Foi esse Deus que deu
Destino aos meus versos,
Foi Ele quem arrancou deles a roupa de indivíduo
Ainda maior, embora mais justa.
Me assusta e acalma
Ser portadora de várias almas
De um só som comum eco
Ser reverberante
Espelho, semelhante
Ser a boca
Ser a dona da palavra sem dono
De tanto dono que tem.
Esse Deus sabe que alguém é apenas
O singular da palavra multidão.
É mundão
Todo mundo beija, todo mundo almeja,
Todo mundo deseja
Todo mundo chora
Alguns por dentro
Alguns por fora
Alguém sempre chega
Alguém sempre demora.
O Deus que cuida do
Não-desperdício dos poetas
Deu-me essa festa de similitude
Bateu-me no peito do meu amigo
Encostou-me a ele
Em atitude de verso beijo e umbigos,
Extirpou de mim o exclusivo:
A solidão da bravura
A solidão do medo
A solidão da usura
A solidão da coragem
A solidão da bobagem
A solidão da virtude
A solidão da viagem
A solidão do erro
A solidão do sexo
A solidão do zelo
A solidão do nexo.
O Deus soprador de carmas
Deu de eu ser parecida
Aparecida
Santa
Puta
Criança
Deu de me fazer diferente
Pra que eu provasse
Da alegria
De ser igual a toda gente.
Esse Deus deu coletivo
Ao meu particular
Sem eu nem reclamar.
Foi Ele, o Deus da par-essência
O Deus da essência par.
Não fosse a inteligência
Da semelhança
Seria só o meu amor
Seria só a minha dor
Bobinha e sem herança
Seria sozinha minha esperança.

(Eliza Lucinda)

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